A gente correu para o mato onde tinha uma casinha na ĂĄrvore
que eu queria lhe mostrar.
---Vai, pode abrir os olhos... – esperei alguns segundos suficientes
para que a vista se acostumasse - gostou?!
Ninguém podia enxergar a gente ali. Era o
nosso lugar. Nosso esconderijo. EstĂĄvamos sentados e sem querer uma manga de
minha blusa caiu e meu ombro ficou Ă mostra. Eu rapidamente vesti para que vocĂȘ
nĂŁo visse. Mas vocĂȘ viu, Ă© claro...
---Ei, espere aĂ... - vocĂȘ se aproximava e com suas mĂŁos delicadamente
tirava a manga - O que Ă© essa marca?
---NĂŁo Ă© nada.
Te olhei nos olhos e
vocĂȘ olhava minha marca vermelha com um formato de ameba. NĂŁo gostava muito
dela, mas era minha. Depois dali vocĂȘ começou a querer desvendar minhas marcas
atĂ© que despertasse um desejo recĂproco e eu pudesse ver as suas tambĂ©m. VocĂȘ
foi duro demais comigo, Ă s vezes era rĂgido, nĂŁo queria me contar de jeito
nenhum, nĂŁo se abria de jeito nenhum. Mas eu queria tanto... vocĂȘ.
Mas ali naquela
casinha a gente montava um mundo de marcas sĂł nosso. Eu pegava algumas de suas
marcas para mim e vice-versa. A gente se transformava, eu te mudava. VocĂȘ
queria beijar cada marca, queria cuidar de cada cicatriz. Ăs vezes eu chorava e
vocĂȘ limpava. VocĂȘ sempre foi o garoto que roubava coraçÔes e dessa vez vocĂȘ
quis me dar o seu para que o meu nĂŁo ficasse tĂŁo sozinho.
VocĂȘ queria que a sua
casa fosse meu peito para que vocĂȘ pudesse construir um jardim onde meu sorriso
fosse a porta de entrada para o seu. VocĂȘ queria cuidar do telhado da nossa
casinha para que de noite nĂŁo chovesse na gente e eu pudesse dormir bem o
bastante para te abraçar e te acolher.
VocĂȘ queria fechar as
janelas para que meu cheiro ficasse na coberta ainda de manhĂŁ quando acordasse
e tivesse me perdido pela cama.
VocĂȘ queria que eu te
mantivesse acordado até a madrugada para ter a certeza de te desejar até o dia
seguinte.
Porque a casinha era
tĂŁo nossa, e a gente era tĂŁo bom, vocĂȘ nĂŁo podia deixar desmoronar. NĂŁo podia.
Eu merecia. VocĂȘ merecia. A gente. E para fazer tudo
isso entĂŁo, vocĂȘ sĂł tinha uma saĂda.
A mudança.
E entĂŁo, vocĂȘ
passou uma semana do lado de fora plantando alguma coisa que eu nĂŁo fazia ideia
do que era. Ăs vezes eu achava que vocĂȘ estava se arrumando para ir embora,
parecia cansado, vocĂȘ nĂŁo subia mais.
VocĂȘ mexia na terra,
regava e esperava. Em alguns dias eu via que nascia uma plantinha dali e foi
quando eu mais tive medo de vocĂȘ me largar com ela ali. Mas vocĂȘ fez o
contrĂĄrio, vocĂȘ subiu. Foi quando sentiu essa necessidade tĂŁo grande de fazer
diferente, foi quando mudou que descobriu o que era amor.
VocĂȘ mudou seu olhar
sobre tudo para que meus olhos encontrassem os seus. VocĂȘ mudou sua fala, sua
voz para que eu pudesse deitar meus ouvidos e sĂł querer te ouvir. VocĂȘ se
tornou carinhoso para que eu pudesse correr para os seus braços. VocĂȘ comprou
lĂĄpis e papel para que eu te escrevesse e vocĂȘ me desenhasse. VocĂȘ trouxe
coberta, e primeiros socorros. Ă que na verdade, boa parte do que estava construĂdo,
eu Ă© quem tinha realizado e te dado, meu corpo, minha alma, minhas marcas e a
casinha jĂĄ estavam prontas para te receber, e vocĂȘ sabia que o toque final era
seu, era entrar e beijar todos os dias, as seis marcas (pelo que vocĂȘ contou) e
uma cicatriz que eu tinha no corpo. Era renovar a certeza de que nossa casinha
era cada dia mais nossa. Era me dar um beijo de bom dia para eu saber que jĂĄ
tinha feito o café com o seu gostinho na boca. Era ficar doente e vir correndo
assoar o nariz nojento na minha blusa, implorando para ser mimado. Eca. E eu?!
Eu descobri o que era amor quando tive a certeza de que podia amar marcas tĂŁo
diferentes das minhas, e de que podia construir uma casinha gostosa um pouco
torta, mas que fizesse vocĂȘ se sentir confiante, leve e cuidado o suficiente
para poder vir e ajeitar com toda sua engenharia de amar. Era descer todos os
dias para ver o que a plantinha tinha a nos oferecer e a gente a ela.
----Qual planta Ă© essa?
----Ă surpresa. Mas calma, Ă© sua.
A plantinha foi crescendo e se tornando ĂĄrvore, cresciam
flores rosas lindas, eu sabia qual era, mas nĂŁo lembrava, que droga! Era tĂŁo
linda, e ele tinha feito para mim. Eu nĂŁo acredito que ele havia plantado uma
ĂĄrvore e de certa forma aquilo crescia dentro de mim dia apĂłs dia, me fazia
brilhar por dentro. Até um dia em que descemos e eu vi uma coisinha pendurada
na ĂĄrvore redonda, avermelhada para o roxo.
Era uma cerejeira.
---VocĂȘ Ă© doce sem ser enjoativa, linda, pequena, gostosa,
sensual e companheira. Pacote completo. – ele disse, apesar de eu nunca ter
sido tĂŁo segura quanto a isso.
E agora, toda vez que
ele tem que ir por alguma razĂŁo, as cerejas brotam para que eu nĂŁo fique sĂł, e
me lembre de comĂȘ-las ao lado de minhas escritas manchando e dando o toque final com a cor
que ele me floresceu. - LuĂsa Monte Real