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O amor e o objeto perdido


     Pode-se entender  essa frase como algo que vem aparecer no lugar de uma falta, e que isso mesmo faz e cria esse falta. A partir dali algo pode se perder, algo pode me cavar um buraco. O buraco, no entanto, sempre esteve ali. É por isso que o amor pode angustiar tanto e podemos recuar diante dele, ele aparece  em um lugar que se aparenta completo, a falta não está mais ali enquanto tal. O que fazer com isso que encontrei? A busca morre? Na melhor das hipóteses, a gente acaba construindo algo que se perca, e que há nisso que se encontrou algo impossível de se (re)encontrar, que se pede renovar. “Você não sabe o que está perdido até encontrar, no centro do que se acha há algo de perdido, por isso, o amor dialoga também com uma perdição. 

      O objeto perdido é um conceito de Freud de que nós estaríamos sempre às voltas de procurar isso que se perdeu dos nossos primeiros objetos amorosos. Lacan renova isso trazendo que tentamos resgatar uma satisfação, não o objeto, e que este objeto é desde sempre perdido. Ele é o que nos estrutura, ou melhor, a falta dele: não há O objeto, nunca houve uma satisfação plena, há apenas uma nostalgia. Há apenas um rastro disso que não se teve, não se tem e nem se terá. 

    Há sempre um resto dos objetos que tivemos que continua a fazer desejar e buscar, construímos nossas narrativas entorno do que se perdeu para resgatar algo de próprio (nossas satisfações) em novos investimentos. Isso conversa com essa caracterização do objeto como radicalmente perdido, ou seja, ele é para e desde sempre perdido.

“Reencontramo-lo no máximo como saudade. Não é ele que reencontramos, mas suas coordenadas de prazer, é nesse estado de ansiar por ele e de esperá-lo” (Lacan 1959/1960) 

  Talvez o amor aponte que o objeto não parecia perdido até aparecer algo que nos fure ali onde já somos furados. “You don’t know what’s lost till you find it”. Aquilo que toca no nosso umbigo: no nosso buraco. 

O amor e quando acaba. Canção para não voltar - Leo Fressato



Não volte pra casa meu amor que aqui é triste 

Não volte pro mundo onde você não existe 

Não volte mais 

Não olhe pra trás 

Mas não se esqueça de mim não 
 

Não me lembre que o sol nasce no leste 
E no oeste morre depois 
O que acontece é triste demais 

Pra quem não sabe viver, pra quem não sabe amar 

 

Não volte pra casa meu amor que a casa é triste 

Desde que você partiu aqui nada existe 

Então 

Não adianta voltar 
 

Acabou o seu tempo, acabou o seu mar 

Acabou o seu dia 

Acabou, acabou 
 

Não volte pra casa meu amor que aqui é triste 

Vá voar com o vento que só lá você existe 

Não se esqueça que não sei mais nada, nada de você 
 

Não me espere porque eu não volto logo 
Não nade porque eu me afogo 

Não voe porque eu caio do ar 

Não sei flutuar nas nuvens como você 

Você não vai entender 

Que eu não sei voar 

Eu não sei mais nada 
 

Dó com baixo em dó 
Sol com baixo em si 

Lá com baixo em lá 

Lá com baixo em sol 

Fá com baixo em fá 

Fá com baixo em fá sustenido 

Sol com baixo em sol 

 

(…) 

 
Me sinto tão só 

Sem você aqui 

Já não sei amar, o que é o amor? 

Só de imaginar quando você não está comigo 

Eu me sinto só 

Tão assim sem sol 

 

    A música diz por si só, eu não precisaria dizer mais nada, no entanto ela me toca de uma maneira tão verdadeira que o silêncio me arrebata e preciso dar um ou mais piu's. 

    O que é uma separação? O término? É muito interessante pensar em como isso que acaba nos deixa sem chão, e poder experimentar a nossa fragilidade de naquele instante fracassar. Não se sabe voar, não se sabe nadar, não se sabe mais nada de si, nem do outro. O que é perder um amor e reconhecer que não se sabe perder? E que nisso mesmo, mora a nossa incapacidade de amar. 

    O quão paradoxal é, estar tão só (Sol, representado por essa nota) sem alguém, e poder admitir que por isso mesmo (por não suportar a solidão) que não se pode recebê-la de volta. Porque é preciso fazer algo com esses restos, com essa sobra, com esse nada que se deixou. “Aqui nada existe”. Com essa tristeza que ronda, com esse fim que insiste em se fazer presente, mas que dói e não se quer lembrar, não é tanto uma ausência, mas uma presença excessiva da pessoa amada por todos os cantos que ela não está, mas está como um fantasma. 

“Não me lembre que o sol nasce no leste 

E no oeste morre depois 

O que acontece é triste demais 

Pra quem não sabe viver, pra quem não sabe amar” 

 

    O quão bonito é poder reconhecer que só se sabe amar quem encara a morte, a perda, o fim e, no entanto, em certos momentos não saberemos realizar isso. Não saberemos como, nos perderemos. E que em alguns momentos não saberemos amar e nem viver, por não saber/suportar perder. A nossa maior verdade, a nossa maior fragilidade é essa: a nossa voracidade em não saber perder. E talvez é justamente no meio desse não saber, nessa perda, de reconhecer em si essa falta de sustentar a liberdade do voo nas nuvens, que podemos libertar o outro e arrumar a nossa própria casa. Por enquanto essa casa não está aberta para visitas... 

    O Sol morre…o amor demanda um luto da paixão, um luto dos ideais de si e do outro, daquilo que não suportamos, não damos conta, de encontrar nossa face mais infantil. E ao fazer esse luto de si, reconhecer o insuportável que é separar-se do outro e por isso mesmo separar, talvez se possa amar. Porque é também parte do amor perder o próprio amar, este que busca sempre um regenerar-se “Já não sei amar, o que é o amor?”  “Inclusive o amor é a desilusão do que se pensava que era o amor” Clarice Lispector 

    Eu não sei de música para dizer exatamente, mas essa parte em que ele canta somente notas musicais me remete a algo indescritível, algo que é da ordem do incapaz de se dizer, apenas sentir, apenas atravessar essa Solidão própria de quem se deixou atravessar pelo encontro de um amor. Ele sente então essa necessidade de deixar livre, é preciso que não volte, para que ele possa refazer sua própria liberdade, porque já não sobrou nem mesmo as palavras, e o que sobra disso é a angústia, é preciso refazer caminhos para o desejo. É preciso resgatar a fala, só assim podemos nos dirigir ao outro, é escrevendo cartas que se ama, é pedindo e convidando que se deseja.  

    Poupar o outro de nosso próprio desamparo sem (ao mesmo tempo) impedi-lo de aparecer, é essa tarefa árdua de que se trata o amor. Porque somente desamparados podemos tirar alguém para voar nas nuvens, mas somente na dose em que caiba também o desamparo e o convite do outro. E por vezes, esse convite não vem.