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      Acordei 15h da tarde de um domingo, como de costume, e meu mau humor já se instaurava insustentável. Um domingo nublado. Mal posso aguentar a presença de outros quando nuvens rodam sobre a minha cabeça. É o dia do meu vazio, favor não perturbe. Dias de vazio eu peço Clarice, e ela me diz o que tem que ser dito, ainda que eu não soubesse, mas eu sempre sei... ela fala sobre amor e essa coisa estranha de amar. Esse bicho que se movimenta dentro de meu corpo causando um mal-estar tremendo. Será que eu engoli a barata de G.H.? 

Ah Clarice, como meu mau humor se deita tão bem no teu desconforto... é sempre assim, encontro nela um lugar para as minhas angústias, encontro meus vermes. Minha melancolia enraivecida. Que é tão eu quanto meus dias de euforia. Eu preciso do silêncio do do(r)mingo. Leio Clarice em pequenas doses que é para não me perder em suas palavras, elas tem o sentido necessário e pontual. O curativo no ponto da cicatriz. 

      Já é fim de tarde, já estou há algumas horas acordada agora, ainda que pouco, o suficiente. Quero beber algo quente. Vou para cozinha onde o pôr do Sol acontece. Eu nem esperava por ele hoje, estava tudo nublado. Mas como em uma violência o Sol fura a nuvem. Como em um enganar as nuvens, sai por onde elas falham e me encontro com o que eu queria e não sabia. Não sabia que queria um pôr do Sol em um domingo nublado, apesar de saber que é o que eu sempre espero. Esse é o meu "medo de não amar" (Clarice, Perto do Coração Selvagem), que entre minhas nuvens de mau humor e tempestade, ainda apareça aquilo que não sei, os meus raios incendiando o que eu quero tapar. Porque ela me rasga nisso que toca onde minha fera enfurecida não quer olhar. 

     E me dói, porque minha cara emburrada não quer festejar coisa alguma em um domingo vazio. Como uma birra e um orgulho que não querem sair. A dor nas costas no domingo é maior, as pontadas... Mas é mesmo, somente nesse vazio que ela surgiu e pôde surgir. É isso que eu mais tento engolir e me defender. Não é do vazio que tenho medo, é da potência que eu sei que ele procura e pode me proporcionar. Porque no meu vazio ela cabe. Mas eu não sei se a posso suportar. Porque suporta-la é amolecer minhas dores pontuais, é saber que por mais teimosa que minha cara emburrada seja, por mais prazer que eu tenha em ficar enraivecida, ela me quebra. Não só como uma felicidade que eu possa ter então, mas como uma tristeza que eu possa dar nome enfim, e que me craquelando de mim, finalmente aparecendo os raios, ela também possa ter lugar para sentir ali.

     E em meio ao que me defendo, nem é mesmo dela, mas de mim, que sente uma saudade de não sei o quê que (me re)encontro nela. Na minha raiva se esconde um me encontrar num domingo vazio às 15h da tarde, em minha cama vazia. Minha raiva por não ter tido motivos de acordar mais cedo para vive-lo no silêncio de me encontrar com tua pele. 

Dia 6. Escreva como se sentia na adolescência

Na adolescência era pedra 
Pedra que quebra 
Pedra que rasga 
Que sangra, que cai 
No meio do caminho.

Na adolescência era pau 
Quebra-pau 
Pau na mesa 
Pica pau, fura
Embrulha.

Na adolescência era dose 
Não era mole, era dose
Doze doses por dia 
De tristeza, de alegria 
Eu-foria, Eu-faria

Na adolescência era coisa 
A coisa coisada 
O negócio da coisa engasgada 
Era coisa dura, era coisa amarrada 
Era a coisa marcada

Na adolescência era piso no pé 
O piso do tropeço 
O calo no riso 
A base do pé no piso 
Era o piso como ele é.

Na adolescência era mato 
Era um saco, pé no sapato 
des-amarrado, des-mamado 
Era carrapato 
Era cabelo no prato.

Do(r)mingo


      Não sei porque eu gosto tanto de escrever sobre e no do(r)mingo. Na verdade eu sei, mas é justamente o ponto que desconheço que me faz (re)escrever. É o que me cabe no do(r)mingar. O do(r)mingo é assim, as horas parecem não passar, é um dia vazio. Dia de se quebrar e reinventar. Dia que dificilmente se recebe alguma notícia. O som parece fosco. As cores parecem silêncio. É o dia mais dia que se tem. Aquele dia que é dia. E que a noite já é quase segunda... Muitos do(r)mingos por mais lentos que sejam, chega a noite e não durmo. Os pensamentos começam a correr e já não acompanho para torná-los sonhos. 
    No domingo tampouco se faz aquilo que se crê-scer uma grande decisão, e talvez essa seja a maior liberdade e importância da escolha, em que você cria, em que você radicalmente escolhe. Diante do vazio que se estende, a criação, o luto, o silêncio, a saudade. É dia de conversar com o estômago. Gostinho de café e cheirinho de fubá. A fofoca da semana, o segredo do cotidiano. 
      O pôr-do-sol na roupa molhada em que já não se seca mais nada, ou o dia nublado em que nem chove nem faz Sol. É neutro. O do(r)mingo tem a minha condição natural de nada, de impotência e desimportância, que no meio do cotidiano com tantos sentidos tenho a ilusão de certeza de caminho. O do(r)mingo é questão, mas seguir ao vizinho. O outro me diz, o outro me convoca. Deito no braço dela em meus pensamentos, sinto seu cheiro no Sol que abre a janela. O reencontro de algo que nunca tive. Nada como companhias sombrias no do(r)mingo. Que me fazem sombra e me guiam na solidão, no tédio, e no desencontro. Os lábios dela tocam o meu com a preguiça no olhar. Já é tarde, a janela vamos fechar. No escurinho do do(r)mingo gostaria de me entrelaçar. Me esconder em sua selva e repousar em teu andar. 

Dia 5. Escreva utilizando metáforas para falar de amor

      A primeira coisa que me veio é isto, tem como falar de amor sem ser por metáfora? O amor é o próprio recobrimento. Como falar de algo que é Coisa? E sendo Coisa só pode ser dita por outras maneiras que não a Coisa em si. Como falar do que conheço tanto, que é lá do meu primeiro ser, do meu primeiro poder, do meu mais íntimo, e que por isso, tanto desconheço? Como falar do amor sem que se fale além dele? Como falar do amor sem falar do cheiro? Do sentimento? Das águas? Do voar? Do céu, das estrelas, da Lua?
      Eu viajo sobre tudo e fracasso. Eu falo sobre tudo e ainda assim me sobra. O amor é necessariamente, o resto que a metáfora carrega. O amor corre sobre as palavras. É rio, em que sua palavra lembra riso e suas águas lembram lágrimas. Como falar de amor sem ter asas? Sem partidas e chegadas? Sem portas? Sem gavetas? Sem casa. 

Dia 4. Escreva se inspirando no seu escritor favorito

Clariceando
   
     Ainda bem que eu sou chata por vezes. Às vezes, vezes um, às vezes, vezes dois. Não tem nada mais chato do que ser legal demais, ou chato demais. 

“E eu vou ter que ficar dentro do que é”; 

    Amor demais é ódio. Ódio que exista um outro. É tudo um. Não tem nada mais chato do que tudo um, tudo igual. Não é nem espelho, porque o espelho ainda marca uma diferença, o contrário. Mas parece tudo uma mesma geleca e não tem nada mais chato do que ser geleca. Que sufocante!! Que irritação. Ainda bem que eu tenho o ódio, porque nada pior do que amor que engole, que come, que é imperativo. Ainda bem que eu ainda sou chata e me irrito. Lembro que na pior das hipóteses, eu sou o pior, eu sou só inumana, como diria Clarice: Imunda. Fora do mundo, além do mundo, não-mundo, e extremamente sujo. Aquilo que grita em sua imundice muda. Clarice obrigada por sua pequenez. Pelo seu ódio, por sua esquisitice e falta de paciência. 

“Na verdade eu havia lutado a vida toda contra o profundo desejo de me deixar ser tocada - e havia lutado porque não tinha podido me permitir a morte daquilo a que eu chamava de minha bondade; a morte da bondade humana. Mas agora eu não queria mais lutar contra. Tinha que existir uma bondade tão outra que não se pareceria com bondade. Eu não queria mais lutar.” 

    A resposta que é resposta radical, que não preza pelo entendimento e a caridade, mas pelo corte, pela fala em sua estrutura mais primária de contorno e revelação. Que salta do nada. Do nada, em seu sentido duplo, que agora não sei se é o mesmo. E nossa!! Ainda bem que tem o que não sei. Porque nada mais chato do que quem sabe. Nada mais chato do que quem tem resposta! Que em sua arrogância mais alta é agressiva e precisa destruir o não saber. Que coisa mais chata! Me irrito e me calo, quero ficar sozinha. Ainda bem que tenho minha irritação que é quando me falo que chega! Vai um pouco menos, se retrai, se para. Ah deixa pra lá mesmo! Seja sozinha, me dê esse tempo fala sério, cala a boca um pouco!     
Nada mais chato do que ouvido de pinico e cotovelo que fala. 
     Ainda bem que às vezes as pessoas tem medo, é porque tem lugar que não é seu mesmo e se contente com isso. Que coisa chata... Nem tudo se alcança, quando você vai entender, hein? Nem mesmo a morte escapa, ah esqueci que você é... Esquece. Já vou me calar, porque está tudo muito chato pra mim. E o que vim dizer é que não tenho nada a dizer, porque eu queria mesmo é estar vivendo e sendo chata lá fora com outras pessoas mais ou menos chatas. Aqui tá chato demais! 

“eu me lembro de como o jogo da beleza era bom, a beleza era uma transmutação contínua.Mas com alívio infernal eu me despeço dela. O que sai do ventre da barata não é transcendentável - ah, não quero dizer que é o contrário da beleza, ‘contrário de beleza’ nem faz sentido - o que sai da barata é: ‘hoje’.”.

-Trechos: A paixão segundo G.H. 
—Luísa Monte Real 
Desafio:@ogirassolescrito 

Dia 3. Escreva inspirada em uma música/ escreva uma carta para um amor futuro

Olá alguém, 

     Eu já nem sei mais como que se escreve uma carta, apesar de eu ainda ter o costume de escreve-las.
 Vou começar assim: Tem uma música muito boa pra isso que estou começando a falar aqui, apesar de não fazer ideia do que é. A música é “dear no one” da Tori Kelly. Ela fala sobre a vontade de ter alguém, mas ainda sequer tem alguém específico. É realmente esquisito que a nossa vontade não dependa de alguém, na verdade, parece que a falta move muito mais isso tudo. E ela também fala que gosta de ter o próprio espaço, e que de alguma maneira ela afasta as pessoas... mas ela queria ter uma alma gêmea e essa coisa toda. E ela dedica a música para esse querido ninguém, que um dia virá a ser alguém, no tempo que vier, quando encontrar. 
     Talvez ela já tenha tido alguens, e deixam saudades. Saudades daquele sentimento... de como se sentiu. Às vezes, se pergunta como que seria um casamento, porque ela realmente gosta de tirar seu tempo de silêncio, se habitar um pouco. Ela é da arte. A solidão ronda, mexe, expulsa. Ah! Como as separações moldam a relação. Os espaços, os calados, o não sei dizer... Não te conheço em tudo e isso me faz ficar. Gostinho de quero menos para alcançar alguma coisa. Talvez ela já experimentou isso, mas o outro lado viveu outra coisa... Não deu. O limite falou alto e doeu. E amar é limitar, ela entendeu. Ela quer um amor com limites, cortes, ela com ela, tu com tu, ela com tu, tu com ela. Quantas pessoas... Um relacionamento de dois tem sempre mais alguém habitando. 
    Ela espera ansiosa, a solidão também machuca, principalmente quando as pessoas não acompanham ou se fazem presentes , só parecem fantasmas que já nem sabem quens são quens. Mas ela  já não quer tudo que dá na telha, está cansada disso. O cansaço às vezes é um ponto indispensável. Deixa as coisas bem mais difíceis, ela sabe, ninguém quer ficar cansada oras, nem sofrer... e ela é criticada, as pessoas resistem, falam, falam sem parar... Ninguém parece querer crescer né, muito menos ver que o outro cresce e que essa possibilidade não existe, mas se cria e se escolhe. É fácil pensar que não está nas nossas mãos o que está, e que tudo está rodando entorno dela. Ela quer alguém que a dê essa mão e ela dê a dela. Mas que sobre um espaço entre as palmas porque são mãos diferentes afinal. E em um grande desencaixe, é onde ela quer e pode repousar.

- Luísa Monte Real 
Desafio: @ogirassolescrito 

Dia 2. Escreva sobre a memória mais feliz da sua infância

Era besouro no cabelo 
Era sentar no formigueiro.
Sai correndo pra minha mãe 
Já estava toda em desespero. 
Tira toda a roupa, 
As formigas já estão no meu corpo inteiro.
Era pé de jabuticaba, era pé de amora ,
Era pé de acerola, era pé de pitanga. 
Eram pés
Exploravam todo o mato 
A grama verdinha, a terra durinha 
O mal lavado sapato.
Todo dia era um machucado novo
Se enfia no tijolo 
Toma banho de mangueira e depois se esquenta na fogueira. 
Era tartaruga, era passarinho, era cachorro, era coelho, era rã, 
Era sapo atropelado.
Era lesma, era carrapato.
Lagarta que queima e plantinha dormideira. 
Era o meio do nada, era o meio mais meio. 
Era lugar, e não havia outro. 
Nesse do(r)mingo,
Dia de vazio 
Dia de terreno e deserto 
Dia de dia, 
no seu ponto mais reinventorio e sem graça
Lembro da casa 
Era amarela 
Era morada. 

-Luísa Monte Real
Desafio: @ogirassolescrito

Dia 1. Escreva sobre seu primeiro amor

Amar é feito aprender a (re)ler.

       Meu primeiro amor? Me vem tantas questões. Meu primeiro amor pode ser tão relativo. Teve aquela vez, aos 12 anos, descobrindo um mundo fora de mim, fora da infância. Gosto de fantasia, gosto de Sol e piscina, gosto de pra sempre. Depois a ilusão, a entrada na vida, o maior sofrimento... me perdi em nome de um desespero. Mas também teve antes disso, aqueles primeiros amores, da minha família, ou mesmo minha chupeta! E ah aquele meu travesseirinho em formato de coração, com cheirinho de camomila que foi tão difícil de me livrar... 

      Depois eu fui crescendo, tive outros amores. Tive um amor bem torto, quase me levou ao primeiro. Acontece que é sempre sobre os primeiros amores, é sempre uma primeira vez. 
      Depois disso, eu fui crescendo mais, descobri que não era nada daquilo! Nossa nada mesmo, talvez tudo não tivesse sido mais que um amor por mim ou sei lá! E ai ingressei numa viagem dentro de mim que me levava tão pra fora. Me levava ao amor, em um mar de revelações, um mar azul de vida e cheiro de alegria. Era ela. 
      Primeiro amorela. E foi doce, foi com gostinho de quero mais, é isso. E quanto mais eu cresço, a cada pessoa que eu passo e acaba por terminar é a sensação de primeiro amor. E de fato, aprendi a amar. É que eu posso estar errada, às vezes amor não tem a ver com amar. 

     Amores tive alguns, amorelas tive outras, mas amar eu sempre perco como se faz. Sempre me escapa em um momento. Infelizmente não é como andar de bicicleta, é como... ahn é como... Não sei. Talvez a ler? A cada livro é uma maneira de ler. É preciso se adentrar no livro. É uma casa que não é sua, mas se faz. E se acomoda, e se incomoda. E sai, e entra. Amar é feito aprender a (re)ler. 

-Luísa Monte Real 
Desafio: @ogirassolescrito 

A poesia do quase

Quem não sabe ler poesia, sabe ler o quê? 
Poesia essa coisa que esbarranca 
Quebra,
O sentido, a palavra 
Na nossa compulsão, fixação 
No sentido
Que perde o sentido de ser 
Multifacetado 
Eu e o que falo 
O que falo no eu 
Que faz um quase eu 
Porque a gente só pode ser quase 
A poesia do quase 
Quase lá, ou para além de lá 
E a gente sempre quer voltar 
Pra que? 
Tomara que nunca inventem a máquina do tempo 
O tempo todo 
Não existe, ou é tempo ou não o é 
Só é sem sentido aquilo que escapa diante de algum sentido.
Tudo carrega o seu não-sentido.
Ou é sem sentido ou não tem sentido algum. 
Quem não sabe ler o vazio, sabe ler coisa alguma? 
Se é que o vazio é algo que se leia ou ele que nos lê. 
Nos pega, nos arranca. 
Nos estranha
O estranho da poesia
É que a poesia é o meu entranho. 

Enconhecer


        Não sei se te conheci por inteiro. Não sei se alguma vez perguntei seu prato favorito. Sei que me pedia aquele pudim para algum dia, seu doce predileto. Não soube das suas várias histórias da vida. Não soube todas. Não sei se você gostava de verde, também não sei se você gostava de cores como um todo. Não sei se alguma vez você havia usado um vestido. Não sei se havia gostado... gostou? De mim? Aquele dia. Não sei.
       Mas com você soube que intimidade é além de saber, na verdade é no não saber. 
       Na procura de algo que não sei, me encontro em teus buracos. Em tua pele depositei aquilo que me tinha, aquilo que eu não tinha. 
       Você com certeza não soube de todas as minhas loucuras, de meus tédios, da minha vida. Mesmo assim, vivi com você, viver é não saber com quem me encontro, porque o encontro é sempre um querer conhecer.
        Sinto falta do vazio de te enconhecer. 
        Mas chegou um momento que não quis mais, não queria conhecer o que(m) você estava me mostrando. Porque conhecer é mais sobre o que me fala do que os anos de vida, é o ano que se apresenta diante de todos eles que se passaram. Aquele ano não me servia mais, o meu ano não te servia mais. 
        Fiquei com o buraco. 

Quanta vida se perde tentando se fazer importante? 
Em uma vida de mar, toda areia já foi rocha 
Em uma vida de vento, toda chuva já levou
Trouxe, molhou 
Em uma vida de Sol, toda solidão queima, esquenta 
Em uma vida se vive, a morte reinicia 
O brilho que apaga, ofusca, cega, domina, fixa
Maltrata, mata, come 
O brilho que consome, rege, estraga
O brilho que me sufoca engolindo o outro
O brilho que rezo, prezo, preso 
Que amo para não amar, não renuncio 
Falo, falo, falo... brilho e morro 
Como toda estrela cai quando perde o seu 
Quanta vida se perde tentando se fazer brilhar? 

Sou retalho de palavras

Adoecer é isso, não saber viver. E não em um sentido moral, deveria ter feito ou não, isso é morar nas ideias, não é como se houvessem palavras que existiam e não foram colocadas, palavras só existem quando colocadas. Não. É justamente quando não permiti que a palavra se fizesse contorno, e nunca me livrando do pavor, o amo e guardo. Não houve vida que desse conta da morte e ela prevaleceu. 
Adoecer é isso, não soube o que fazer com a vida e tendo ela nas mãos atirei para o alto se espalhando, espelhando sem nem mesmo querer saber onde. No outro.
 Adoecer é isso, deixar o trauma que é viver dominar, deixar o mal da vida solto por toda parte, sem adestrar o cachorro agressivo, malvado, mandão, autoritário e cheio de si que vive em mim, sem dar a ele carinho, amor, cuidado, limites, não poupar, guiar, recompor e dar lugar.
 Adoecer é isso, perder as guias, as rédeas, me perder tentando me encontrar, porque o encontro não se tenta, se dá, e a perda não se encontra, se perde. Nesse momento é tudo tanto, transbordando, avassalador, que a falta falta, e não tem espaço para mais nada, “nenhum piu!”. 
Adoecer é isso, nada sobrar além de cinzas. E que talvez curar não seja se livrar delas, mas se fazer Fênix. Talvez agora os restos se (re)façam, costurem pontos, sou retalho de palavras.