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Enconhecer


        Não sei se te conheci por inteiro. Não sei se alguma vez perguntei seu prato favorito. Sei que me pedia aquele pudim para algum dia, seu doce predileto. Não soube das suas várias histórias da vida. Não soube todas. Não sei se você gostava de verde, também não sei se você gostava de cores como um todo. Não sei se alguma vez você havia usado um vestido. Não sei se havia gostado... gostou? De mim? Aquele dia. Não sei.
       Mas com você soube que intimidade é além de saber, na verdade é no não saber. 
       Na procura de algo que não sei, me encontro em teus buracos. Em tua pele depositei aquilo que me tinha, aquilo que eu não tinha. 
       Você com certeza não soube de todas as minhas loucuras, de meus tédios, da minha vida. Mesmo assim, vivi com você, viver é não saber com quem me encontro, porque o encontro é sempre um querer conhecer.
        Sinto falta do vazio de te enconhecer. 
        Mas chegou um momento que não quis mais, não queria conhecer o que(m) você estava me mostrando. Porque conhecer é mais sobre o que me fala do que os anos de vida, é o ano que se apresenta diante de todos eles que se passaram. Aquele ano não me servia mais, o meu ano não te servia mais. 
        Fiquei com o buraco. 

Quanta vida se perde tentando se fazer importante? 
Em uma vida de mar, toda areia já foi rocha 
Em uma vida de vento, toda chuva já levou
Trouxe, molhou 
Em uma vida de Sol, toda solidão queima, esquenta 
Em uma vida se vive, a morte reinicia 
O brilho que apaga, ofusca, cega, domina, fixa
Maltrata, mata, come 
O brilho que consome, rege, estraga
O brilho que me sufoca engolindo o outro
O brilho que rezo, prezo, preso 
Que amo para não amar, não renuncio 
Falo, falo, falo... brilho e morro 
Como toda estrela cai quando perde o seu 
Quanta vida se perde tentando se fazer brilhar? 

Sou retalho de palavras

Adoecer é isso, não saber viver. E não em um sentido moral, deveria ter feito ou não, isso é morar nas ideias, não é como se houvessem palavras que existiam e não foram colocadas, palavras só existem quando colocadas. Não. É justamente quando não permiti que a palavra se fizesse contorno, e nunca me livrando do pavor, o amo e guardo. Não houve vida que desse conta da morte e ela prevaleceu. 
Adoecer é isso, não soube o que fazer com a vida e tendo ela nas mãos atirei para o alto se espalhando, espelhando sem nem mesmo querer saber onde. No outro.
 Adoecer é isso, deixar o trauma que é viver dominar, deixar o mal da vida solto por toda parte, sem adestrar o cachorro agressivo, malvado, mandão, autoritário e cheio de si que vive em mim, sem dar a ele carinho, amor, cuidado, limites, não poupar, guiar, recompor e dar lugar.
 Adoecer é isso, perder as guias, as rédeas, me perder tentando me encontrar, porque o encontro não se tenta, se dá, e a perda não se encontra, se perde. Nesse momento é tudo tanto, transbordando, avassalador, que a falta falta, e não tem espaço para mais nada, “nenhum piu!”. 
Adoecer é isso, nada sobrar além de cinzas. E que talvez curar não seja se livrar delas, mas se fazer Fênix. Talvez agora os restos se (re)façam, costurem pontos, sou retalho de palavras.