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Dilema

      Assisti a série “Dilema” (não contém spoiler)  e já por esse nome diz muito. Pelos momentos que venho passando, li nela muito sobre a nossa relação com a verdade. Fala sobre os acasos da infância que nos moldam e que insistimos em guardar no fundo do baú, sem nunca deixar para trás. Fala sobre poder ser mesmo muito melhor viver uma mentira, uma ilusão, mas a destruição que vem por esconder uma verdade é um preço muito alto. Mas só por ela, pela dor, que a mentira pode ser superada e a verdade reinar. A fala final da personagem principal aponta bem para isso. 
      A vida real que não existe modelo, Freud já apontava, nem técnicas de psicologia, remédios, nem filmes, nem ideais que dêem conta. Quem dá conta de viver a vida infelizmente e felizmente somos nós. Ninguém vai viver por você, parece óbvio. E a gente se destrói mesmo, a dor vem, e a reconstrução é linda. Enxergar o pior e amar. E poder então, abrir mão dele para o novo.
      Venho descobrindo que amar não é amar um objeto, isso é paixão, pode até ser amor e é, mas amar é outra coisa, o substantivo é diferente do verbo, objeto e ação. Às vezes nos fixamos no objeto para não agir. Um objeto que é idealizado e por isso o amor é narcisista, porque amamos nossa própria ideia desse alguém. E com certeza amar não é descolado da paixão e do amor porque só eles podem nos mostrar nosso pior, amar é o que a gente escolhe fazer com a loucura de se apaixonar. Amar é amar apesar de não ter e porque não tem, e por isso mesmo o amor não tem objeto porque ele aparece para fazer do furo alguma coisa, a gente não ama alguém, alguma coisa, amar é um ato, uma escolha, uma construção, consequência  do desejo. É a nossa própria relação com a nossa verdade, nossos desejos e nossas destruições, e então o amor para colorir tudo isso que é avassalador. E vamos combinar, a gente se prende muito mais na intensidade do que na calmaria...
     Numa relação nunca estamos satisfeitos, ou batemos o pé por isso ou aprendemos a amar para (re)inventar o desejo, se frustrar novamente e tudo bem, aprender que o nosso querer é sempre pela metade, porque o outro também tem que ter alguma parte. 
    Disse muito isso esse ano, que a gente só pode amar depois de ver o pior. Ver o pior e não se vitimizar, a linha para a submissão e o masoquismo é bem tênue disso e compactua com o pior, velando. É sobre encarar, e desviar desse jogo. O amor é o limite da destruição. Já dizia Miley Cyrus rainha: 
Even in my darkest days, even in my lowest place, you love me the most 
and even when I can't stay, even when I run away 
You love me the most… 
Amar é a escolha que a gente faz de ficar quando descobre que o outro e nem o amor que a gente sente é tudo isso. Amar é quando falta muito e mesmo assim, e só por isso que é possível, a gente decide construir algo da falta com alguém. E amar é também saber ir quando não se pode ser amado, para que o pior não triunfe.

2019

   2019 foi o ano em que recebi os mais ricos e valiosos presentes. E por incrível que pareça os mais doloridos. Por que é que acordar para vida dói tanto? Eu descobri que ter um compromisso com a felicidade dói. A verdade dói, mas ela tem uma potência que quando nos encontramos com ela não importa a dor que carregue, não queremos nos livrar dela. Queremos encara-la, entendemos que precisamos parar de negar e para variar abraçar aquilo que nos é sagrado, íntimo. É isso que eu sou, com minhas tempestades e tempos sombrios, para que eu possa construir um Sol que traga o arco-íris. 
    A mentira por outro lado anda muito colada na verdade, nisso que trabalha para escondê-la. Algumas mentiras acabam por se tornarem tão importantes para nós que ditam nossa vida como se fossem verdadeiras. Ela cega, engana, poupa, ela até acolhe por um tempo, mas te deixa completamente desprotegida, ela te engole, te suga, é um trabalho dobrado: manter a verdade velada, calada e ainda enganar-se com ilusões insustentáveis, ilusões que não se deixam desiludir-se, e toda ilusão precisa ser quebrada para que uma nova apareça. A verdade também está lado a lado de uma mentira, ela pede uma construção, mas uma mentira que não seja mentirosa, nem tentadora e paralisante. Que seja uma mentira válida, que abra alas e caminhos para a verdade, que a sustente e não desmorone ou esconda. 
   A verdade é uma cicatriz que nos marca, que dita e diz de uma vez só sem rodeios, e muitas vezes sem dizeres, no silêncio. O amor há de vir como um banquete para a verdade e por isso temos tanto medo dele, fazemos qualquer coisa que nos livre de amar, porque se conectar e ter as rédeas de escrever a própria verdade, aquilo de mais íntimo que não sabemos falar, faz escorrer sangue dos olhos que tanto negam em ver. Édipo fura os olhos quando descobre sua verdade. Talvez assim ele enxergue melhor, talvez assim seja suportável ver. 2019 eu suportei ver e nisso que suporto, ganho minhas riquezas, minhas intensidades, minhas relações mais importante, ganho minhas palavras que são tudo o que eu tenho, à vida.