Pesquisar

História pra contar




     É nos detalhes que a gente muda. É nos detalhes que desvenda o que parecia não estar ali. É nos detalhes que se desnaturaliza o banal. É no bordado, é na costura dos retalhos. É aonde não se vê. É naquilo que ignora e que pensa não valer a pena. É naquilo que se esquece, que se tropeça. São nas pequenas escolhas que escolhemos sem saber, ou que não olhamos como escolha, mas como destino, acaso, azar, sorte ou condenação. É naquilo que pensa ser imutável pela sua grandeza que não se sabe que é um pequeno movimento para desequilibrar e quebrar algo tão pesado. É o peso que escolhemos carregar acreditando que foi o outro quem nos deu a carga. É a carga que escolhemos carregar sem deixar em algum destino senão nossas próprias costas. É a culpa, é o fardo, é a cruz. É a guerra que insistimos em lutar com o outro quando nosso maior inimigo é aquele que te olha no espelho. É a guerra que a gente compra pra não vender, porque vencer significaria resolver, mudar e seguir em frente. E seguir em frente significa abrir mão de um sofrimento conhecido para o desconhecido. Abrir mão de uma história, de uma marca. É se descobrir, ficar nu, para que um outro véu possa ser costurado... Haja paciência. Haja força. Mas trocar o casco é sempre melhor. 

    Um verdadeiro escritor não é aquele que constrói histórias, mas aquele que destrói as palavras. Aquele que desinventa para surgir aquilo que é novo, aquilo que nunca foi dito ou até mesmo nem é possível de se dizer. É aquele em que julgamento não cabe, e assim muito menos sentidos. Somos contradição. Somos desespero por esperar. Despresentes por querer presentear. E desprevenidos por querer previnir. Somos falhos, mas só porque acertamos. Nós escolhemos todos os dias a história que queremos contar de nós mesmos, não só para os outros, mas qual a mentira que eu conto para eu mesma acreditar? - Luísa Monte Real 

Medo de você


    O sofrimento é inevitável e quem me conhece sabe, eu sempre digo isso. Mas às vezes a gente só fala... Eu sei que fugir de mim mesma só é mais uma mentira. As borboletas na minha barriga já batem, a garganta já seca, e o peito já estremece. As borboletas sobem até a garganta mas eu nunca as liberto. Medo. Medo de você. O medo me aprisiona ou sou eu que me prendo no medo? Virei escravo do medo e quase já não posso ver o que realmente quero, quem sou.  Não sei se te quero tanto, ou se o nervosismo de te querer me faz pensar que te quero tão mais. Será que isso importa? Medo de quebrar a cara. Tenho tanto medo de que não seja o que eu quero. O que eu quero afinal? Eu mal sei para onde leva meu desejo, talvez ele já tenha até desistido de me levar a algum lugar. Ou talvez eu nem tenha mesmo que sair daqui. 
     Já criei tantas cenas na minha cabeça que nem sei mais o que aconteceu ou não. Se os sentimentos são meus, só eu posso senti-los. Só eu posso mudar de nome e criar novas borboletas ou algumas aranhas com eles. Se o sentimento é uma ilusão, assim mesmo é o medo e o amor. Sigo em uma corrida sem fim entre o certo e o errado em que a única certeza no final é a de que nada nunca é do jeito que a gente imagina. A surpresa ou a decepção. Então para que tanta pressa? Para que engolir tantas borboletas? Para que lidar comigo como se eu fosse de vidro se no final sempre estive inteira? Deixo o coração vibrar, deixo as noites em claro, deixo ser adolescente de novo, deixo quebrar, só deixo. 
    Dessa vez eu vou te dizer vem, dessa vez eu vou. Dessa vez eu sei que ir embora é sempre opção, e ficar também. Eu  na sua e talvez isso basta, saber demais às vezes só afasta. Não sei qual o teu gosto, não conheço teu toque, pouco sei seu nome e talvez, pela primeira vez permito que o vulcão me transborde. Porque é simples, não dá para viver fingindo que tsunami é marola.

Te amei






       Escrevo aqui para dizer que caso você não saiba, eu te amei. Eu te amei, mesmo que eu não tenha dito na época, mesmo que eu saiba que eu não posso te dizer agora. Escrevo aqui mesmo que eu saiba que você nunca vai ler, pelo menos deixo registrado. Eu te amei, mesmo quando tudo virou caos e você nem parecia conseguir me amar. Quero que saiba que eu te amei. Te amei no chuveiro. Naquela cama de solteiro. Te amei no metrô. Te amei vendo você pegando o trem para ir embora e eu me desfazendo em lágrimas. Eu te amei mesmo depois de tantas decepções, nem mesmo males tenho a dizer sobre tudo que se passou. Não por uma idealização de que talvez fosse você, mas justamente por entender que não existe tal coisa e aceitei ter vivido sabendo disso. Aceitei ter amado sem que o pra sempre tenha que ser. Eu te amei nas ligações, nas nossas risadas, nos seus beijos em minhas maçãs falando “oi” e me chamando de “linda”. Te amei mexendo no seu cabelo e te olhando sem dizer nada, dizendo tudo. Te amei nua. Te amei no meu olhar calado que tinha tanto a te decorar. Eu te amei e não pensei. Não pensei que estava amando. Eu te amei, e eu espero que saiba. E eu só espero que saiba, porque sei que você não sabia e talvez nem nunca vá saber, porque não tive como dizer e agora meu peito está longe de você. Não é uma questão de dar valor depois que perdeu, mas de dizer aquilo que ninguém entendeu. Aquilo que você me deu, mas que agora já escureceu. Todo passarinho deixa seu ninho, e talvez essa seja a hora de estar sozinho. A dor já sumiu, o Sol já caiu e o meu "eu e você" já partiu. - Luísa Monte Real 

A vida é arriscada


A vida é arriscada,
Ela risca e petisca
Mordisca e limita
Palpita e transpira.

A vida é arriscada, 
Como escada 
Sobe e desce, 
Se der azar, ainda tropeça 
Se der sorte, te arremessa
Para outra cena em que se ri a beça. 

A vida é arriscada
Mas não tenha pressa
Que o certo é que 
O caminho é perto 
Mas íngrime por toda a peça.

A vida é arriscada,
Mas é gozada 
É como requeijão e goiabada
Do doce com salgado, 
Ninguém nem dava nada,
Mas deu, doeu. 

A vida é arriscada, 
Toma cuidado!
Mas nem tanto, a gente está mergulhando 
A qualquer hora pode estar mergulhado 
Pelo outro lado que não se vê
E que se faz crer estar afogado.

Porque viver, 
Viver é mesmo arriscado. 

- Luísa Monte Real 

Triste história



                                   
    Por muito tempo chorei por achar essa história triste. Hoje, eu ainda acho triste, mas de uma forma diferente. Triste para mim que fiz o que fiz comigo, por ter sofrido tanto, acreditado tanto, me iludido tanto, me enganado e mesmo assim não ter tido o que queria no final. De depois do final, descobrir que eu nunca amei e que talvez nunca descubra o que é amar, e de que você nem era especial, mas uma grande fantasia e tapa falta que eu criei, uma grande farsa egoísta, de novo... Mas essa parte nem é tão triste assim, porque me responsabilizo de ter sentido uma dor que eu precisava e escolhi sentir, e que no final tem me dado a oportunidade de não te ter e isso dói, mas de me reconstruir sem você e poder ser não só alguém diferente, mas de fazer uma triste história apenas uma história triste. Ora, para mim faz diferença, uma triste história está fadada ao fracasso, uma história triste é só um sentimento que a história traz, porque por trás ela é muito mais.   

    E a parte mais triste dessa história foi para você. Tudo bem, eu estou errada em te acusar, posso parecer só vingativa e rancorosa, parecer não respeitar maturidades e tempos, também não vim falar que sou maravilhosa e que ia salvar sua vida e que eu era realmente o que você queria. Porque eu não era, e talvez nem você fosse. E você não era. O que você queria, você sempre teve. Verdade seja dita, você nunca quis o amor porque ele é a sua grande busca. Me ter como amiga era uma maneira de tê-lo, mas não por inteiro, não de forma que tirasse o seu chão. Talvez você ame de formas diferentes outras e essa seja a sua forma de amar. A verdade é que é uma triste história para você, que nunca soube mudar a sua forma de amar. - Luísa Monte Real   

    

Quando entrar

                                                   
        
    

   E quando for entrar, entre sem bater. Não precisa bater os sapatos antes, mas limpe se sujar. Não venha aqui para me ocupar, venha se quiser me agradar. Eu estou farta, só quero descansar. Desarrume a cama depois de deitar. Não se acostume, mude o móvel de lugar. Deixe a luz apagar, o Sol já vai voltar. Acenda um cigarro, na varanda por favor que é pra que eu não deixe de dar flor. Tem algumas sujeiras por baixo do tapete, mas eu ainda vou limpar. Espero que não se incomode, já estava aí, mas é pó, não gruda não, uma hora voa. Veja, suas malas também vieram com alguns farelos. A gente nunca respira ar puro, uma vez respirado, já era, estamos condenados a nossa vida, a vida do outro, e do outro, e do outro que somos nós, e você. 

    Passado não se apaga, presente não se deixa e o futuro não está escrito. Dá a mão, o desafio é não encostar no corrimão. É ir correndo, mas ninguém chega primeiro, e se você tropeçar no final, eu te seguro, te beijo um sorriso sem jeito e me escorrego na sua saia de cetim. É quase um filme se as sensações não fossem tão reais e assustadoras. Fica, eu sei que na real existem mais monstros no conto de fadas do que princesas, mas talvez eles só nos assustem de longe, já tentou ver beeem de perto? Eu piso devagar, a gente bate na porta antes se quiser, eu olho o seu primeiro e depois você vê o meu. O que achou? Talvez a gente devesse tentar outra hora... Tudo bem, mais tarde. Agora deita aqui, no meio da angústia que a gente criou, pelo menos ainda restam alguns dentes de leão que o vento não soprou...  - Luísa Monte Real 

3/3 de Partir

Você pode ler antes:2/3 de Partir 1/3 de Partir

                                             Dica: Música 

E aí, você não foi, né? Você ficou, mas você não era você. Não sei ao certo quem era essa pessoa, mas ela me torturava fazendo-me procurar naquelas palavras vazias um rastro daquilo que eu amo em você. Eu sei que você ainda está aí, que você ficou, que você ainda é o mesmo. Você não me permite te ver, tocar nem sentir. Você colocou essa máscara que eu já conheci outras vezes, mas parece que ela ficou grudada em seu rosto dessa vez e você não está disposto a tirar, e quem sou eu para querer saber como você deveria agir? Só queria que explicasse e que eu pudesse ajudar, seja aconselhando, ouvindo ou até mesmo me afastando se você pedir. Parece que ela está te protegendo de algo. Eu queria que você se sentisse confortável o suficiente para conseguir enxergar isso, e então conseguir tirá-la, pelo menos para mim, eu nunca te julguei, mas talvez você só esteja sendo cruel consigo mesmo e eu nem tenha nada a ver com isso.
     Parece que ela te cegou, te tapou, não foi? Eu sei que você ainda existe por trás disso tudo e por isso não desisto de você, sei o que sente por mim e sei o que somos, irmãos, não é?! Pelo menos, era o que você dizia, era o que você dizia que eu tinha me tornado..., mas eu avisei que se você não se apressasse de ir embora ou tirar a máscara eu que ia, não avisei? Desculpa, já estou farta, você me machuca. Então é isso, eu que fui de vez dessa vez. Não, não desisti de você. Desisti de encarar essa máscara que me dói, essa máscara que me assusta, essa máscara que me manipula a achar que te perdi, a achar que você não me ama mais, que cansou de mim, que mudou. Um jeito frio, grosseiro, que incomoda, mas nunca pega as malas e vai embora. Desisti de olhar para ela e imaginar o que sangra atrás dela. Meu amor, eu vou estar aqui se precisar, mas estou indo agora. Nunca deu certo ajudar quem não quer ser ajudado. Eu sei que as coisas que te disse pegaram no seu orgulho, mas fala sério, eu só digo aquilo que é preciso encarar para se ajeitar, para arrumar, eu te dei tantas chances... com você é tudo tão pisando em ovos. Por que tão mimado? Você não cede, e então me perde.
    Só por um tempo, prometo... a máscara te fez esquecer que o silêncio incomoda, mas talvez necessário quando as coisas não vão bem, né? Não sei, você diz sem dizer, corta sem encostar. E por isso eu que estou iniciando ele, tentei iniciá-lo sem avisar, de maneira sutil e leve, mas não deu certo, a máscara te diz para sair, mas você volta, é uma briga interna que quem vira o alvo sou eu. Então aqui estou eu, te dizendo que estou indo embora. Talvez um até logo e sinceramente, espero que até logo.
    Por favor, tente entender que é para o nosso bem. Vamos só nos afastar, tudo bem assim? Talvez eu volte para verificar se resolveu se livrar dela. Talvez você volte para me avisar. Não faz assim, não finge que tanto faz, não me ataca só porque quer que eu fique. Ou se impõe e diz o que quer, ou deixe-me ir sem me ferir. Tente se entender, tente enxergar que você me suga, se coloque no seu lugar ou mesmo, no meu.  Estou indo não porque quero, e nem estou indo embora de você, mas acredito que continuarei me conectando com você pelas nossas sintonias que sempre foram mágicas, espero que você as sinta também, não sei quão profundo você está de você mesmo para receber. Tenho que acreditar que ainda te recebo por telepatias, estar aberta a te receber por outras vias com carinho e amor, porque assim então, você está no seu lugar de sempre, perto. E mesmo se o tempo dessa ida seja tanto que um dia você chegue a se aprofundar e se afogar dentro de mim, o que temos é intenso e pode ser trazido à tona em qualquer instante se permitirmos, eu sei disso, porque o vazio é insubstituível e a gente se fez dele. Te sinto perto e te levo comigo na mente, alma, espirito, o que quiser chamar, mas deixo seu físico tomado pela porcelana envenenada de sua máscara, ou se é que assim a inventei para não encarar que talvez esse seja só o seu novo eu, tanto faz. Enquanto não descubro, fora me esqueço de ti e dentro, só te sinto muito.

                                                                               Fim 

- Luísa Monte Real