Pesquisar

Dia 1. Escreva sobre seu primeiro amor

Amar é feito aprender a (re)ler.

       Meu primeiro amor? Me vem tantas questões. Meu primeiro amor pode ser tão relativo. Teve aquela vez, aos 12 anos, descobrindo um mundo fora de mim, fora da infância. Gosto de fantasia, gosto de Sol e piscina, gosto de pra sempre. Depois a ilusão, a entrada na vida, o maior sofrimento... me perdi em nome de um desespero. Mas também teve antes disso, aqueles primeiros amores, da minha família, ou mesmo minha chupeta! E ah aquele meu travesseirinho em formato de coração, com cheirinho de camomila que foi tão difícil de me livrar... 

      Depois eu fui crescendo, tive outros amores. Tive um amor bem torto, quase me levou ao primeiro. Acontece que é sempre sobre os primeiros amores, é sempre uma primeira vez. 
      Depois disso, eu fui crescendo mais, descobri que não era nada daquilo! Nossa nada mesmo, talvez tudo não tivesse sido mais que um amor por mim ou sei lá! E ai ingressei numa viagem dentro de mim que me levava tão pra fora. Me levava ao amor, em um mar de revelações, um mar azul de vida e cheiro de alegria. Era ela. 
      Primeiro amorela. E foi doce, foi com gostinho de quero mais, é isso. E quanto mais eu cresço, a cada pessoa que eu passo e acaba por terminar é a sensação de primeiro amor. E de fato, aprendi a amar. É que eu posso estar errada, às vezes amor não tem a ver com amar. 

     Amores tive alguns, amorelas tive outras, mas amar eu sempre perco como se faz. Sempre me escapa em um momento. Infelizmente não é como andar de bicicleta, é como... ahn é como... Não sei. Talvez a ler? A cada livro é uma maneira de ler. É preciso se adentrar no livro. É uma casa que não é sua, mas se faz. E se acomoda, e se incomoda. E sai, e entra. Amar é feito aprender a (re)ler. 

-Luísa Monte Real 
Desafio: @ogirassolescrito 

A poesia do quase

Quem não sabe ler poesia, sabe ler o quê? 
Poesia essa coisa que esbarranca 
Quebra,
O sentido, a palavra 
Na nossa compulsão, fixação 
No sentido
Que perde o sentido de ser 
Multifacetado 
Eu e o que falo 
O que falo no eu 
Que faz um quase eu 
Porque a gente só pode ser quase 
A poesia do quase 
Quase lá, ou para além de lá 
E a gente sempre quer voltar 
Pra que? 
Tomara que nunca inventem a máquina do tempo 
O tempo todo 
Não existe, ou é tempo ou não o é 
Só é sem sentido aquilo que escapa diante de algum sentido.
Tudo carrega o seu não-sentido.
Ou é sem sentido ou não tem sentido algum. 
Quem não sabe ler o vazio, sabe ler coisa alguma? 
Se é que o vazio é algo que se leia ou ele que nos lê. 
Nos pega, nos arranca. 
Nos estranha
O estranho da poesia
É que a poesia é o meu entranho. 

Enconhecer


        Não sei se te conheci por inteiro. Não sei se alguma vez perguntei seu prato favorito. Sei que me pedia aquele pudim para algum dia, seu doce predileto. Não soube das suas várias histórias da vida. Não soube todas. Não sei se você gostava de verde, também não sei se você gostava de cores como um todo. Não sei se alguma vez você havia usado um vestido. Não sei se havia gostado... gostou? De mim? Aquele dia. Não sei.
       Mas com você soube que intimidade é além de saber, na verdade é no não saber. 
       Na procura de algo que não sei, me encontro em teus buracos. Em tua pele depositei aquilo que me tinha, aquilo que eu não tinha. 
       Você com certeza não soube de todas as minhas loucuras, de meus tédios, da minha vida. Mesmo assim, vivi com você, viver é não saber com quem me encontro, porque o encontro é sempre um querer conhecer.
        Sinto falta do vazio de te enconhecer. 
        Mas chegou um momento que não quis mais, não queria conhecer o que(m) você estava me mostrando. Porque conhecer é mais sobre o que me fala do que os anos de vida, é o ano que se apresenta diante de todos eles que se passaram. Aquele ano não me servia mais, o meu ano não te servia mais. 
        Fiquei com o buraco. 

Quanta vida se perde tentando se fazer importante? 
Em uma vida de mar, toda areia já foi rocha 
Em uma vida de vento, toda chuva já levou
Trouxe, molhou 
Em uma vida de Sol, toda solidão queima, esquenta 
Em uma vida se vive, a morte reinicia 
O brilho que apaga, ofusca, cega, domina, fixa
Maltrata, mata, come 
O brilho que consome, rege, estraga
O brilho que me sufoca engolindo o outro
O brilho que rezo, prezo, preso 
Que amo para não amar, não renuncio 
Falo, falo, falo... brilho e morro 
Como toda estrela cai quando perde o seu 
Quanta vida se perde tentando se fazer brilhar? 

Sou retalho de palavras

Adoecer é isso, não saber viver. E não em um sentido moral, deveria ter feito ou não, isso é morar nas ideias, não é como se houvessem palavras que existiam e não foram colocadas, palavras só existem quando colocadas. Não. É justamente quando não permiti que a palavra se fizesse contorno, e nunca me livrando do pavor, o amo e guardo. Não houve vida que desse conta da morte e ela prevaleceu. 
Adoecer é isso, não soube o que fazer com a vida e tendo ela nas mãos atirei para o alto se espalhando, espelhando sem nem mesmo querer saber onde. No outro.
 Adoecer é isso, deixar o trauma que é viver dominar, deixar o mal da vida solto por toda parte, sem adestrar o cachorro agressivo, malvado, mandão, autoritário e cheio de si que vive em mim, sem dar a ele carinho, amor, cuidado, limites, não poupar, guiar, recompor e dar lugar.
 Adoecer é isso, perder as guias, as rédeas, me perder tentando me encontrar, porque o encontro não se tenta, se dá, e a perda não se encontra, se perde. Nesse momento é tudo tanto, transbordando, avassalador, que a falta falta, e não tem espaço para mais nada, “nenhum piu!”. 
Adoecer é isso, nada sobrar além de cinzas. E que talvez curar não seja se livrar delas, mas se fazer Fênix. Talvez agora os restos se (re)façam, costurem pontos, sou retalho de palavras. 

Dilema

      Assisti a série “Dilema” (não contém spoiler)  e já por esse nome diz muito. Pelos momentos que venho passando, li nela muito sobre a nossa relação com a verdade. Fala sobre os acasos da infância que nos moldam e que insistimos em guardar no fundo do baú, sem nunca deixar para trás. Fala sobre poder ser mesmo muito melhor viver uma mentira, uma ilusão, mas a destruição que vem por esconder uma verdade é um preço muito alto. Mas só por ela, pela dor, que a mentira pode ser superada e a verdade reinar. A fala final da personagem principal aponta bem para isso. 
      A vida real que não existe modelo, Freud já apontava, nem técnicas de psicologia, remédios, nem filmes, nem ideais que dêem conta. Quem dá conta de viver a vida infelizmente e felizmente somos nós. Ninguém vai viver por você, parece óbvio. E a gente se destrói mesmo, a dor vem, e a reconstrução é linda. Enxergar o pior e amar. E poder então, abrir mão dele para o novo.
      Venho descobrindo que amar não é amar um objeto, isso é paixão, pode até ser amor e é, mas amar é outra coisa, o substantivo é diferente do verbo, objeto e ação. Às vezes nos fixamos no objeto para não agir. Um objeto que é idealizado e por isso o amor é narcisista, porque amamos nossa própria ideia desse alguém. E com certeza amar não é descolado da paixão e do amor porque só eles podem nos mostrar nosso pior, amar é o que a gente escolhe fazer com a loucura de se apaixonar. Amar é amar apesar de não ter e porque não tem, e por isso mesmo o amor não tem objeto porque ele aparece para fazer do furo alguma coisa, a gente não ama alguém, alguma coisa, amar é um ato, uma escolha, uma construção, consequência  do desejo. É a nossa própria relação com a nossa verdade, nossos desejos e nossas destruições, e então o amor para colorir tudo isso que é avassalador. E vamos combinar, a gente se prende muito mais na intensidade do que na calmaria...
     Numa relação nunca estamos satisfeitos, ou batemos o pé por isso ou aprendemos a amar para (re)inventar o desejo, se frustrar novamente e tudo bem, aprender que o nosso querer é sempre pela metade, porque o outro também tem que ter alguma parte. 
    Disse muito isso esse ano, que a gente só pode amar depois de ver o pior. Ver o pior e não se vitimizar, a linha para a submissão e o masoquismo é bem tênue disso e compactua com o pior, velando. É sobre encarar, e desviar desse jogo. O amor é o limite da destruição. Já dizia Miley Cyrus rainha: 
Even in my darkest days, even in my lowest place, you love me the most 
and even when I can't stay, even when I run away 
You love me the most… 
Amar é a escolha que a gente faz de ficar quando descobre que o outro e nem o amor que a gente sente é tudo isso. Amar é quando falta muito e mesmo assim, e só por isso que é possível, a gente decide construir algo da falta com alguém. E amar é também saber ir quando não se pode ser amado, para que o pior não triunfe.

2019

   2019 foi o ano em que recebi os mais ricos e valiosos presentes. E por incrível que pareça os mais doloridos. Por que é que acordar para vida dói tanto? Eu descobri que ter um compromisso com a felicidade dói. A verdade dói, mas ela tem uma potência que quando nos encontramos com ela não importa a dor que carregue, não queremos nos livrar dela. Queremos encara-la, entendemos que precisamos parar de negar e para variar abraçar aquilo que nos é sagrado, íntimo. É isso que eu sou, com minhas tempestades e tempos sombrios, para que eu possa construir um Sol que traga o arco-íris. 
    A mentira por outro lado anda muito colada na verdade, nisso que trabalha para escondê-la. Algumas mentiras acabam por se tornarem tão importantes para nós que ditam nossa vida como se fossem verdadeiras. Ela cega, engana, poupa, ela até acolhe por um tempo, mas te deixa completamente desprotegida, ela te engole, te suga, é um trabalho dobrado: manter a verdade velada, calada e ainda enganar-se com ilusões insustentáveis, ilusões que não se deixam desiludir-se, e toda ilusão precisa ser quebrada para que uma nova apareça. A verdade também está lado a lado de uma mentira, ela pede uma construção, mas uma mentira que não seja mentirosa, nem tentadora e paralisante. Que seja uma mentira válida, que abra alas e caminhos para a verdade, que a sustente e não desmorone ou esconda. 
   A verdade é uma cicatriz que nos marca, que dita e diz de uma vez só sem rodeios, e muitas vezes sem dizeres, no silêncio. O amor há de vir como um banquete para a verdade e por isso temos tanto medo dele, fazemos qualquer coisa que nos livre de amar, porque se conectar e ter as rédeas de escrever a própria verdade, aquilo de mais íntimo que não sabemos falar, faz escorrer sangue dos olhos que tanto negam em ver. Édipo fura os olhos quando descobre sua verdade. Talvez assim ele enxergue melhor, talvez assim seja suportável ver. 2019 eu suportei ver e nisso que suporto, ganho minhas riquezas, minhas intensidades, minhas relações mais importante, ganho minhas palavras que são tudo o que eu tenho, à vida. 

As pessoas ainda fazem sexo?



   Eu não sei se as pessoas ainda fazem sexo hoje. Ainda que não exista relação sexual e me falta muito conhecimento e vivência, que não haja afeto ou afetação é de se questionar. O que estamos fazendo com nossos corpos? Um mundo cheio dos vibradores, o sexo parece virar uma extensão disso. O melhor de cama ganha, o mais experiente. E só nos resta a imagem de uma transa boa, em que sequer alguém existiu ali. E acaso tenha existido um sentimento, é chamado de “amor de xota”, “amor de pau” e é só porque foi a melhor transa. Amor? É o que nos falta. E não que se precise ser moral, que precise casar e que seja um controle, e nem mesmo de que toda experiência tenha de afetar, mas que nenhuma afete? Afinal, o sexo como necessidade e sem afetação sempre esteve posto para os homens, não por acaso, o estupro tão naturalizado. E para a mulher, o sexo sequer poderia fazer parte de sua natureza, mas me questiono o que ganhamos entrando na lógica masculina? 
Que o outro possa existir para nós, que haja sujeito. Não temos sujeitos. Coisas, nos tornamos coisas do prazer imediato. Sempre satisfazendo, sempre zerando, sempre morrendo. Essa sensação de morte que ronda tanto porque gozamos demais, mas não fazemos amor.