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2019

   2019 foi o ano em que recebi os mais ricos e valiosos presentes. E por incrível que pareça os mais doloridos. Por que é que acordar para vida dói tanto? Eu descobri que ter um compromisso com a felicidade dói. A verdade dói, mas ela tem uma potência que quando nos encontramos com ela não importa a dor que carregue, não queremos nos livrar dela. Queremos encara-la, entendemos que precisamos parar de negar e para variar abraçar aquilo que nos é sagrado, íntimo. É isso que eu sou, com minhas tempestades e tempos sombrios, para que eu possa construir um Sol que traga o arco-íris. 
    A mentira por outro lado anda muito colada na verdade, nisso que trabalha para escondê-la. Algumas mentiras acabam por se tornarem tão importantes para nós que ditam nossa vida como se fossem verdadeiras. Ela cega, engana, poupa, ela até acolhe por um tempo, mas te deixa completamente desprotegida, ela te engole, te suga, é um trabalho dobrado: manter a verdade velada, calada e ainda enganar-se com ilusões insustentáveis, ilusões que não se deixam desiludir-se, e toda ilusão precisa ser quebrada para que uma nova apareça. A verdade também está lado a lado de uma mentira, ela pede uma construção, mas uma mentira que não seja mentirosa, nem tentadora e paralisante. Que seja uma mentira válida, que abra alas e caminhos para a verdade, que a sustente e não desmorone ou esconda. 
   A verdade é uma cicatriz que nos marca, que dita e diz de uma vez só sem rodeios, e muitas vezes sem dizeres, no silêncio. O amor há de vir como um banquete para a verdade e por isso temos tanto medo dele, fazemos qualquer coisa que nos livre de amar, porque se conectar e ter as rédeas de escrever a própria verdade, aquilo de mais íntimo que não sabemos falar, faz escorrer sangue dos olhos que tanto negam em ver. Édipo fura os olhos quando descobre sua verdade. Talvez assim ele enxergue melhor, talvez assim seja suportável ver. 2019 eu suportei ver e nisso que suporto, ganho minhas riquezas, minhas intensidades, minhas relações mais importante, ganho minhas palavras que são tudo o que eu tenho, à vida. 

As pessoas ainda fazem sexo?



   Eu não sei se as pessoas ainda fazem sexo hoje. Ainda que não exista relação sexual e me falta muito conhecimento e vivência, que não haja afeto ou afetação é de se questionar. O que estamos fazendo com nossos corpos? Um mundo cheio dos vibradores, o sexo parece virar uma extensão disso. O melhor de cama ganha, o mais experiente. E só nos resta a imagem de uma transa boa, em que sequer alguém existiu ali. E acaso tenha existido um sentimento, é chamado de “amor de xota”, “amor de pau” e é só porque foi a melhor transa. Amor? É o que nos falta. E não que se precise ser moral, que precise casar e que seja um controle, e nem mesmo de que toda experiência tenha de afetar, mas que nenhuma afete? Afinal, o sexo como necessidade e sem afetação sempre esteve posto para os homens, não por acaso, o estupro tão naturalizado. E para a mulher, o sexo sequer poderia fazer parte de sua natureza, mas me questiono o que ganhamos entrando na lógica masculina? 
Que o outro possa existir para nós, que haja sujeito. Não temos sujeitos. Coisas, nos tornamos coisas do prazer imediato. Sempre satisfazendo, sempre zerando, sempre morrendo. Essa sensação de morte que ronda tanto porque gozamos demais, mas não fazemos amor. 

Quem é que vem?


    




   Tá todo mundo partindo, tá todo mundo chegando. Tá todo mundo rindo, tá todo mundo chorando.Tá todo mundo sentindo, tá todo mundo amando. Tá todo mundo descobrindo, tá todo mundo odiando. Tá todo mundo quebrando corações, tá todo mundo juntando os pedaços. Tá todo mundo nem ligando quem é que vem, quem é que sai, quem é que volta. Tá todo mundo. Não é só você, é inclusive você. Não é só ela, é inclusive ela. Lá vem ela, quem é ela? Gabriela. Tá-tá-tá faz o novo barulho do relógio, já não se tem tempo pra tic-toc, acelera. Dor de cabeça, tudo girando. Sensação de querer cair, mas não ter onde. Procuro e não acho, não era aquele ditado que dizia... O que é que dizia mesmo? Esqueci. Só não me esqueci de quem quero esquecer. Que sufoco sufocado pela falta de sufocar. O barulho, a obra, o caos. Tá todo mundo no cais. Esperando o Sol nascer para ver o que é que traz. Se é que traz e não leva...


      Tá todo mundo, e talvez essa seja a condição da vida, se encontrar e depois desenrolar o nó em que certas vezes se arrebenta, e que tantas vezes nem existe, só na minha cabeça, bom nesse lugar existe, se for um lugar... Tá todo mundo sofrendo uma dor que não é só sua, que não é só minha, que também não é de todo mundo, nem é de ninguém. Então é de quem? Tá todo mundo com medo de ficar nua. Tá todo mundo vestido. Tá todo mundo se escondendo em palavras. Tá todo mundo mudo no grito da revolução. Tá todo mundo merecendo, todo mundo sendo vítima daquilo que não se responsabiliza. Tá todo mundo apontando, apertando o gatilho e surtando o surto de quem não fez. Quem é que não tá? Só quem já esteve e quem estará. Mas só não está, quem é que vem? 

       No fim, todo mundo está dormindo em um sonho que não se quer acordar. A realidade. Muros que levantam e não tem a pretensão de cair, mas sustentar. Tá todo mundo sorrindo um sorriso que não te pertence, e quem foi que disse que sorrir significa ser forte? Significa no máximo fingir, esconder, o bem estar é só de quem vê. Bem estar... Tá todo mundo sem falar. Esqueceram que o calar também diz. Rejeitar não é fácil, ser rejeitado menos ainda. Deixar ir, mudar, trocar, arrumar, deitar, viver. Sentir, roubar o beijo, cair no céu molhado da sua boca perdida na minha, nem sei quem foi. Quem é que vai? Quem é que vem? 

A desconfiança de confiar

    


    Confiança não existe sem o risco. Se você não arrisca, você desconfia. Você se preserva. E tudo bem, porque esse texto nem é de autoajuda. Desconfiança pode ser bom, e se for ruim, quem foi que disse que a vida é boa? Confiança é saber que pode quebrar a cara, mas confia que você reconstrói ou até mesmo acha outra. Confiança para mim não é essa coisa de vidro que todo mundo fala, caiu, quebrou até cola, mas fica a marca. Se ficou marca já não é mais confiança, nem nunca foi. Confiança para mim vem de dentro, vem de acreditar. Confiança é para quem tem peito de tentar, mas principalmente, de errar. Entendi que a confiança de que mais preciso só cabe numa relação minha comigo mesma e que o resto é consequência. Entendi que o descontrole é o melhor amigo da confiança, porque quem tanto controla, tanto desconfia, tanto sufoca, e perde o que não se pode ter, o outro. Confiar é o exercício de aceitar que eu sempre sinto que preciso que o mundo inteiro reconheça e goste de quem eu sou, mas saber que isso é o que todo mundo quer, que no final está todo mundo tentando, está todo mundo olhando para o próprio umbigo, inclusive eu. Talvez para variar tentar olhar para outros lados que não o meu deva ser confiar. 
    Confiar é aquela corda bamba entre penhascos em que você anda de olhos fechados, mas se dá conta que nela se encontram tantas outras pessoas que você resolve dar a mão. Permitir que em alguns momentos as mãos não estarão ali e que meu peito se esvazia sem elas, mas talvez isso seja para que eu possa voltar a preencher de uma nova forma. Criar. Reconstruir. Mudar. Talvez confiar seja o melhor amigo da coragem. Entender que a confiança que eu espero não está naquilo que alguém me dá, mas no que eu escolho fazer com cada passo da corda, com cada mão tocada e separada. Talvez a confiança mais difícil de se ter é aquela em que eu não vou me cobrar tanto. A gente pode até mentir pra gente mesmo falando que a culpa é do outro, mas no final quem mais a gente castiga somos nós mesmos. E se eu mesma quebrar minha confiança metendo o pé com tudo dentro do cimento molhado, hei de confiar que a água, o sabão e o esfregão limpam toda a sujeira, ou quem sabe um outro sapato. A confiança não está em fazer tudo sempre certo e acertar nas escolhas, nem mesmo em ser cego e acabar acreditando em coisas tolas. Acreditar que sempre saberemos a verdade é bobagem, é controle, aceitar que não se sabe talvez seja o mais próximo da verdade, e que ser enganado só faz errado o mentiroso que sabe que mente. Mas o pior mentiroso é aquele que mente a si mesmo, que somos todos nós. 
    A confiança está na liberdade de aceitar que fazer escolhas é difícil, mas é o que temos. Mas que, talvez quando você deitar no travesseiro, pode até haver as dores que são inevitáveis, mas há a paz de quem tentou e não deixou o sapato intoxicando e endurecendo com o cimento. Entender que a confiança é uma escolha sua, e que se você não tem, ninguém pode te dar. Sempre te falei isso... E se você não tiver, tudo bem, porque só fica aqui entre nós que confiança 100% já desconfio... Só escolha um passo a dar para encaixar o seu lugar, e desconfiar no seu sentimento de que confiar também tem a sua hora de chegar.

História pra contar




     É nos detalhes que a gente muda. É nos detalhes que desvenda o que parecia não estar ali. É nos detalhes que se desnaturaliza o banal. É no bordado, é na costura dos retalhos. É aonde não se vê. É naquilo que ignora e que pensa não valer a pena. É naquilo que se esquece, que se tropeça. São nas pequenas escolhas que escolhemos sem saber, ou que não olhamos como escolha, mas como destino, acaso, azar, sorte ou condenação. É naquilo que pensa ser imutável pela sua grandeza que não se sabe que é um pequeno movimento para desequilibrar e quebrar algo tão pesado. É o peso que escolhemos carregar acreditando que foi o outro quem nos deu a carga. É a carga que escolhemos carregar sem deixar em algum destino senão nossas próprias costas. É a culpa, é o fardo, é a cruz. É a guerra que insistimos em lutar com o outro quando nosso maior inimigo é aquele que te olha no espelho. É a guerra que a gente compra pra não vender, porque vencer significaria resolver, mudar e seguir em frente. E seguir em frente significa abrir mão de um sofrimento conhecido para o desconhecido. Abrir mão de uma história, de uma marca. É se descobrir, ficar nu, para que um outro véu possa ser costurado... Haja paciência. Haja força. Mas trocar o casco é sempre melhor. 

    Um verdadeiro escritor não é aquele que constrói histórias, mas aquele que destrói as palavras. Aquele que desinventa para surgir aquilo que é novo, aquilo que nunca foi dito ou até mesmo nem é possível de se dizer. É aquele em que julgamento não cabe, e assim muito menos sentidos. Somos contradição. Somos desespero por esperar. Despresentes por querer presentear. E desprevenidos por querer previnir. Somos falhos, mas só porque acertamos. Nós escolhemos todos os dias a história que queremos contar de nós mesmos, não só para os outros, mas qual a mentira que eu conto para eu mesma acreditar? - Luísa Monte Real 

Medo de você


    O sofrimento é inevitável e quem me conhece sabe, eu sempre digo isso. Mas às vezes a gente só fala... Eu sei que fugir de mim mesma só é mais uma mentira. As borboletas na minha barriga já batem, a garganta já seca, e o peito já estremece. As borboletas sobem até a garganta mas eu nunca as liberto. Medo. Medo de você. O medo me aprisiona ou sou eu que me prendo no medo? Virei escravo do medo e quase já não posso ver o que realmente quero, quem sou.  Não sei se te quero tanto, ou se o nervosismo de te querer me faz pensar que te quero tão mais. Será que isso importa? Medo de quebrar a cara. Tenho tanto medo de que não seja o que eu quero. O que eu quero afinal? Eu mal sei para onde leva meu desejo, talvez ele já tenha até desistido de me levar a algum lugar. Ou talvez eu nem tenha mesmo que sair daqui. 
     Já criei tantas cenas na minha cabeça que nem sei mais o que aconteceu ou não. Se os sentimentos são meus, só eu posso senti-los. Só eu posso mudar de nome e criar novas borboletas ou algumas aranhas com eles. Se o sentimento é uma ilusão, assim mesmo é o medo e o amor. Sigo em uma corrida sem fim entre o certo e o errado em que a única certeza no final é a de que nada nunca é do jeito que a gente imagina. A surpresa ou a decepção. Então para que tanta pressa? Para que engolir tantas borboletas? Para que lidar comigo como se eu fosse de vidro se no final sempre estive inteira? Deixo o coração vibrar, deixo as noites em claro, deixo ser adolescente de novo, deixo quebrar, só deixo. 
    Dessa vez eu vou te dizer vem, dessa vez eu vou. Dessa vez eu sei que ir embora é sempre opção, e ficar também. Eu  na sua e talvez isso basta, saber demais às vezes só afasta. Não sei qual o teu gosto, não conheço teu toque, pouco sei seu nome e talvez, pela primeira vez permito que o vulcão me transborde. Porque é simples, não dá para viver fingindo que tsunami é marola.

Te amei






       Escrevo aqui para dizer que caso você não saiba, eu te amei. Eu te amei, mesmo que eu não tenha dito na época, mesmo que eu saiba que eu não posso te dizer agora. Escrevo aqui mesmo que eu saiba que você nunca vai ler, pelo menos deixo registrado. Eu te amei, mesmo quando tudo virou caos e você nem parecia conseguir me amar. Quero que saiba que eu te amei. Te amei no chuveiro. Naquela cama de solteiro. Te amei no metrô. Te amei vendo você pegando o trem para ir embora e eu me desfazendo em lágrimas. Eu te amei mesmo depois de tantas decepções, nem mesmo males tenho a dizer sobre tudo que se passou. Não por uma idealização de que talvez fosse você, mas justamente por entender que não existe tal coisa e aceitei ter vivido sabendo disso. Aceitei ter amado sem que o pra sempre tenha que ser. Eu te amei nas ligações, nas nossas risadas, nos seus beijos em minhas maçãs falando “oi” e me chamando de “linda”. Te amei mexendo no seu cabelo e te olhando sem dizer nada, dizendo tudo. Te amei nua. Te amei no meu olhar calado que tinha tanto a te decorar. Eu te amei e não pensei. Não pensei que estava amando. Eu te amei, e eu espero que saiba. E eu só espero que saiba, porque sei que você não sabia e talvez nem nunca vá saber, porque não tive como dizer e agora meu peito está longe de você. Não é uma questão de dar valor depois que perdeu, mas de dizer aquilo que ninguém entendeu. Aquilo que você me deu, mas que agora já escureceu. Todo passarinho deixa seu ninho, e talvez essa seja a hora de estar sozinho. A dor já sumiu, o Sol já caiu e o meu "eu e você" já partiu. - Luísa Monte Real 

A vida é arriscada


A vida é arriscada,
Ela risca e petisca
Mordisca e limita
Palpita e transpira.

A vida é arriscada, 
Como escada 
Sobe e desce, 
Se der azar, ainda tropeça 
Se der sorte, te arremessa
Para outra cena em que se ri a beça. 

A vida é arriscada
Mas não tenha pressa
Que o certo é que 
O caminho é perto 
Mas íngrime por toda a peça.

A vida é arriscada,
Mas é gozada 
É como requeijão e goiabada
Do doce com salgado, 
Ninguém nem dava nada,
Mas deu, doeu. 

A vida é arriscada, 
Toma cuidado!
Mas nem tanto, a gente está mergulhando 
A qualquer hora pode estar mergulhado 
Pelo outro lado que não se vê
E que se faz crer estar afogado.

Porque viver, 
Viver é mesmo arriscado. 

- Luísa Monte Real