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Quer achar a água comigo?

      Se não for para namorar você, não quero mais ninguém. É, isso mesmo. Não quero mais ninguém porque qual o sentido de namorar um outro alguém só para não ficar sozinha? Qual o sentido de namorar outra pessoa se é para fingir que você não me afeta mais quando afeta? Qual o sentido de ir namorando alguém e quando eu vejo eu só te apaguei com o passa-tempo e me acostumei com o outro confundindo com aprender a amá-lo? Qual o sentido de namorar se meu coração não está livre para mergulhar de cabeça? Qual o sentido de namorar só pro meu ego se massagear por ser desejada? Meu amor, nada disso faz sentido. Pelo menos não para mim. Amores de verdade não são substituídos, e se for, talvez não era amor, era outra coisa. Não quero relacionamentos como quantidade, e sim qualidade. Não quero uma vida marcada por acúmulos de experiências, quero uma vida marcada com intensidade. E o amor não está no ar, nem em uma fila de espera. O amor é uma construção, é uma escolha, que leva tempo, devagarinho, mansinho, gostosinho, sem que seja percebido, pouco a pouco. E é por isso que não quero mais ninguém. Quero manter esse amor comigo e trabalhar nele sozinha até que sua falta não doa mais. Até que sua falta seja tão presente que eu não perceba e não acorde todos os dias e leve facadas na manhã me lembrando de que não está mais ali. Quero tirar toda essa sujeira até que só sobre o amor da gente e eu entregue esse amor por todo o meu corpo e por onde eu passar. Quero aproveitar os amores que já tenho, o próprio, o da família e de amigos. Até eu estar renovada, limpa e pronta para construir um novo amor como esse com um outro alguém.
  Tem gente que fala eu levo relacionamentos a sério demais, que eu coloco sentimento demais nas coisas, que eu deveria aproveitar, curtir, somar e somar... Somar? Sempre fui ruim de matemática... Mas algo me diz que prefiro somar com coisas que realmente me adicionem na essência. Coisas que realmente me façam aprender, e aprender nunca foi algo a curto prazo, prefiro coisas que demoram, mas que me tocam por dentro do que coisas rápidas, que amanhã só foi mais uma. Eu costumo pensar que lidar comigo, com pessoas e sentimentos é sério demais. Levar algo a sério nem sempre é ser chato, sem graça e pesado, na verdade certas coisas como relacionamentos, sentimentos quando levados a sérios traz muito mais leveza e espontaneidade do que quando tratados como brincadeira... Oh como dá problema. Eu não sei você, mas eu não to aqui pra ser brinquedo de ninguém, nem sustentar ego. Estou aqui para ser intuitiva e realista, trocar sorrisos, me divertir, respeitar, cair, levantar, e amar com muita coragem no peito e brilho no olhar. Se eu não estou pronta para fazer tudo isso sem você, não quero com mais ninguém.
  Eu só conheço meu eu com você, se você não mais está aqui, quero aprender a ser eu novamente. Sozinha, mergulhar em mim como mergulhei em você. Porque eu sou assim, não sei cavar um buraco pensando em cavar  pela metade. Se decido, eu quero chegar até a água. Talvez por imprevistos, por chuvas e ventos, eu não consiga chegar até lá e tenha que recomeçar em outro buraco. Mas não faz mal, talvez chegar na água não seja o mais importante. Tenho em mente que se eu fizer me motivando e acreditando a chegar lá, eu vivo com vontade e esforço cada pá que retira a terra. E tudo bem, meu amor, que eu cavei esse buraco mais do que você, porque agora eu to cansada, mas consciente de que não quero mais você para cavar comigo, e se não quero você, não quero mais ninguém em um buraco que é só nosso. Porque esse buraco, meu amor, eu preciso tapar para que ninguém, principalmente eu, caia. E enquanto eu tapo, mais eu me conheço e junto terra por terra. Até o dia em que tudo possa estar tapado, em que ali nasça uma rosa vermelha e eu comece a cavar outro, olhe, e sinta novamente que se não for pra namorar com você, não quero mais ninguém. E eu olhe nos seus olhos e diga: Talvez a gente encontre o oceano inteiro. Então, quer achar a água comigo?

A minha fala, a sua escuta

    E hoje eu queria o teu aconchego de volta. Correr pra tua casa e dormir nos teus braços. Enxugando  minhas lágrimas em tuas mãos, colocando minhas mechas de cabelo pra trás, franzindo a sobrancelha e me olhando com aqueles olhos gigantes e redondos, castanhos escuro quase pretos, fazendo com que eu voltasse a sorrir. Hoje, eu queria te mandar aquela mensagem falando que preciso de você, e você perguntava o que houve e eu te contava toda minha revolta como uma garotinha mimada e chorona. E você ia me apoiar, e me escutar.... Me escutar. Era o que você fazia de melhor nos meus piores, melhores, pequenos e grandes momentos. Eu descamava todo o meu lado podre para você, e você me escutava. Minha voz nunca soou tão importante como soava em teus ouvidos. Você me escutava e queria escutar, fazia questão, seja lá o que eu houvesse a dizer. E amor, como eu precisava ser ouvida, era só o que eu sempre precisei. Você às vezes ficava angustiado e se sentindo mal por não saber o que me dizer, por não conseguir se expressar da maneira que queria, mas só a sua tentativa, sua voz e o seu silêncio já me eram o suficiente. Você às vezes não compreendia ficava revoltado de primeira, mas logo se calava, eu repetia e você ouvia. Discussão a gente tinha várias, parece que não falávamos a mesma lingua, mas hoje eu queria aquela parte que você se sensibilizava e me amava em um abraço de escuta. Você dizia que você era meu ratinho de laboratório e eu dizia que você também era o meu psicólogo em grandes partes, mas mais do que isso, sempre disse que era meu anjo da guarda. E talvez todos os nossos amigos, aqueles de verdade, sejam, mesmo que tenham ido pra longe como eu fui de você. Em uma tentativa falha, te procuro em ouvidos de terceiros que talvez fossem até melhores que os seus, mas que meu conforto e meu apego me cegam e vão de encontro aos teus. É você que eu quero. Você me escutava tanto que quando eu ficava quietinha era o seu maior incômodo, e pedia pra que eu falasse, e eu amava que pedisse  mesmo que o seu pedido desse continuidade ao meu silêncio.  Preocupado se o silêncio revelava alguma dor que eu pudesse sentir ou talvez até mesmo te revelasse a sua. Nunca vi homem sem reclamar que mulheres falam demais, mas você não se cansava de se importar, nem da minha voz e nem das minhas teorias mais malucas, sonhos mais distantes e dores mais sufocantes. E acho que essa foi a maior prova de amor que alguém já fez por mim, me escutar. - Luísa Monte Real

Mulher


  Sim, sou mulher, felizmente. Sou guerreira com muito orgulho nesse mundo onde o homem vive. Engraçado que ele é animal quando lhe convém, na hora de falar de "instinto" e "impulso", mas na hora de mandar é patrão e muito superior, quase rei. Felizmente sou mulher pra saber das dores e dos erros dessa sociedade. Descobri hoje que eu já sofri muito abuso sim. Nunca fui "piranha", nunca tive um corpo cheio de curvas, nunca usei roupas "indescentes", e se usasse, o problema era de quem? Já sofri diversas vezes como qualquer outra, com ou sem roupa. Engraçado né? Hoje quero contar uma dessas minhas histórias. Nessa história duas pessoas são vítimas. Eu e meu parceiro. Meu parceiro era machista, foi educado assim, sua família era assim, seu grande herói era assim, seus filmes prediletos eram assim, seus amigos eram assim, suas amigas eram assim. Sua insegurança era do tamanho do mundo, sua sede de controle para não sofrer e não fazer sofrer era do tamanho do mundo. Mas eu cheguei, toda feminista, cheia do amor próprio e jeito independente de ser, achando que me controlaria, achando que estava no meu próprio comando. E então me apaixonei. Me apaixonei por meus motivos que não vem ao caso agora. Aos poucos fui descobrindo na prática como era ser dominada por você e você sabia fazer isso tão bem, era inconsciente eu sei, era o jeito que te ensinaram. Ter você tornava-se cada vez mais um vício como qualquer amor e paixão, até você fazer doer, eu abrir meus olhos e eu dar um passo para trás. Ao mesmo tempo você se viciava no controle para conseguir me amar sem se machucar, até me ver chorar e perceber o seu erro, dizer que eu merecia coisa melhor, e me fazer derreter com aquela sua voz de cachorro pidão... Aconteceram algumas vezes até você criar confiança em mim. Mas até lá, muitas lágrimas já tinham rolado, minha autoestima já estava desgastada por tanto controle, por tantas mudanças que tive que fazer para me enquadrar nas regras que você desejava, no tanto que eu me entregava e não recebia na mesma moeda. Eu me perdia em você totalmente, você me fazia acreditar que eu era sempre a culpada e quando o contrário, eu tinha que aceitar que era seu jeito de ser e que eu entrei nessa já sabendo disso. Não estou aqui para crucificá-lo, ele não fez por mal, não era pessoal, eram os problemas dele com ele mesmo se refletindo em mim, era sem pensar, era imaturidade, eram mil e uma razões. Estava esperando ele construir toda sua segurança em mim para então conseguir o relacionamento que eu desejava, que eu merecia. As pessoas veem o relacionamento abusivo como se o homem estivesse realmente pensando em "vamos ter esse tipo de relação com ela", e não é assim, é algo muito mais complexo, é enraizado no homem sem nem mesmo que ele perceba. Não estou defendendo, coloquei minha visão feminista para ele muitas vezes, mas reeducar não é simples assim e por isso venho contar essa minha história. Eu sei, eu tava nessa relação porque quis. Eu sei, pode me julgar, falar que sofri porque quis. Eu sei, pode me julgar e falar que não tive amor próprio, que me submeti, que fui trouxa, hipócrita. Eu sei, eu deixei isso acontecer. Mas a errada não continua sendo eu, de errado e imoral não fiz nada, não sou errada por acreditar, confiar e ir atrás do que eu quero. Nenhuma pessoa merece tal tratamento, nem mesmo aquela que erra com a lealdade, com compromisso. Porque ninguém é merecedor de abuso seja ele psicológico ou físico, ninguém merece ser tirado de sua essência e se sentir desmerecedor de qualquer coisa que há no mundo. Mas deixa ao menos me justificar se você acha que procurei por isso. Sou uma jovem sonhadora que sempre lutou por aquilo que quis, que sempre acreditou que todos merecem uma, duas, três chances, que as pessoas mudam (e isso é verdade porque em um grande tempo ele teve sua confiança em mim e os abusos emocionais pararam nessa época). Eu estava apaixonada e sou uma menina muito inexperiente, queria sentir o sabor de ser correspondida, queria ver as cores do amor. Eu havia me doado completamente, não conseguia ser quem eu era, eu era completamente dependente, e nada mais importava do que conseguir ficar com ele, nem mesmo eu. Não sei explicar como isso aconteceu, sempre me respeitei, aprendi a me amar e joguei tudo fora por ele, nunca havia me abandonado de tal forma. O pior, é que eu sabia. Eu era bem informada. Eu sabia que estava nesse tipo de relacionamento, mas não conseguia sair. Depois de um tempo sem inseguranças quando tudo estava bem, sem brigas nem nada, ele resolveu mexer com o passado e cutucar a fera que estava dormindo. Ele pirou, era um ciúme doentio, ele acreditava com tanta certeza no que tinha em mente que me fez acreditar também e foi a gota d'agua para eu perder minha autoestima, fiquei me sentindo um lixo, uma pessoa negativa que estava fadada a acontecer tudo de errado, que eu só fazia os outros sofrerem. Não, ele não me disse essas coisas, mas me fez senti-las. E eu nunca me humilhei tanto tentando provar quem eu era, me humilhei tanto que nem eu mesma sabia quem eu era, acreditava na versão dele, qualquer coisa que acontecia ou me falavam eu levava como ofensa, chorava por coisas idiotas, levava tudo para o pessoal, desconfiava de tudo de ruim que as pessoas pudessem ver em mim, me sentia nervosa e culpada com coisas como  derramaram o refrigerante no chão e eu falava: "não fui eu." Tudo isso porque já nem sei mais quantas vezes em 4 meses passei o dia na cama chorando por brigas, sem comer, sem vontade alguma de fazer alguma coisa. Não sei como, mas você me sugava por inteiro. Dessa ultima vez meu nervoso foi tanto que cheguei a vomitar, me sentir enjoada e ter dor de cabeça já eram fatos quando brigávamos. Pode até ser que te magoei algumas vezes, mas não foram metade do que fez comigo, me desvalorizava e me desqualificava de uma forma que nunca pensei que alguém pudesse fazer comigo. Ele chegou a ameaçar que se ele voltasse comigo eu ia sofrer, que iria ser do jeitinho dele como se todo esse tempo alguma vez tivesse sido da minha maneira... Ele falava coisas que me faziam acreditar que namorar qualquer outra pessoa era melhor do que eu.  Dizia que seu ciúmes era porque ele sabia exatamente como um homem é por ser um, engraçado que ele nunca tentou ser diferente, né?! Dizia sempre que se quisesse ser corno namorava uma piranha, uma puta. Dizia que eu o fiz de otário. Fazia-me sentir desmerecedora de seu amor, e eu desejava tanto que ele me amasse e enxergasse que eu era diferente de todas suas anteriores. Queria ser especial, queria ser única para ele, e parte de mim ainda espera que eu tenha sido... Ele conseguiu atingir até mesmo o que tenho mais de especial, puro e sincero, a escrita. Cheguei mesmo a me achar a bosta em pessoa, desculpe o palavreado, mas para falar dessa sujeira só o palavrão se encaixa. Ele me fez ter medo dos homens, me fez ter nojo, não queria ser encostada, nem olhada que iria doer, estava em cacos, e você sabe, vidro corta. Toda a insegurança dele que eu quis resolver havia se estabelecido em mim, qualquer passo que ele atrevia fazer virava uma neurose pra mim, um leque de opções do que ele estaria planejando para se vingar, pra me machucar. Completamente irracional, afinal ele nunca havia feito nenhum plano pra me machucar propositalmente. Eu tinha um medo enorme de ser julgada por qualquer pessoa. Foi amor demais por ele e de menos por mim. Sempre prezei muito o amor próprio, mas me encantei em mergulhar de cabeça porque sempre fui tão reservada com medo de amar. A única coisa que me orgulhei de mim foi que a minha força sempre esteve presente, fruto do meu amor próprio, me sentia acolhida por mim mesma nas vezes que terminávamos, e mesmo acabando comigo mesma, em dois dias eu já estava sorridente e com paz novamente. O que eu não sabia era do desgaste que estava vivendo. É que eu mal reformava minha autoestima e já tava dando a ele minha cara a tapa novamente. A minha sorte foi estar ao lado de pessoas guerreiras como eu que sem me julgar me acolheram muito bem, fazendo-me lembrar de quem eu sou e que me amo. Não, não voltarei a ser reservada, nem a desacreditar do amor, o que houve não teve nada a ver com falta de sentimento recíproco, mas também espero que eu nunca mais volte a me abandonar por alguém, não importa o quanto doa ficar sem a pessoa. Gostaria muito que um dia ele lesse essa minha história, mas não sei se ele seria maduro o suficiente para não levar como ofensa e não dizer que eu sou a miss vítima certinha como muitos homens e até mulheres irão dizer. Não quero ofender ninguém nem me colocar como vítima, só mostrar como a educação e a moral dessa sociedade levam uma mulher a se odiar e ter nojo de estar na própria pele, ao mesmo tempo que ensina o homem a domar "SUA mulher". Sou mulher, e fui ensinada a competir com outras mulheres enquanto os homens riem e seus egos são alimentados por tudo isso. Fui ensinada a ter inveja, a querer ser mais que as outras, a achar que todas querem "roubar meu homem" - vamos combinar que ninguém é de ninguém e se ele me trocar a culpa não é da outra mulher, nem minha, é dos próprios gostos e vontades dele -, a achar que existe uma inimizade entre nós, a achar que sou menos se um homem não me quer e se não me enquadro na "santinha, pra casar". Sou mulher, sou guerreira como aprendi a ser, como todas ao meu redor merecem ser. Todas estamos dentro de uma luta contra toda essa coisificação da mulher, um grande número de mulheres ainda não enxergou essa luta e se esconde na máscara de ter que se submeter para satisfazer e agradar o homem. Agora só espero me recuperar com muita força, poder perdoa-lo e a mim mesma, espero guardar somente as lembranças boas dele e levar comigo tudo o que ele me somou, se é que somou algo além do meu próprio aprendizado. Não importa o que aconteceu comigo, não importa a destruição que fizeram aqui dentro, nada disso define quem eu sou, eu sou o que me torno depois disso, eu sou o que escolho ser e até mesmo o que deixei de ser, eu sou reencontro com o eu que perdi. Eu sou amor próprio e amor por aí. - Luísa Monte Real
  

Quem estragou nossa música?

   Por que as pessoas dizem que estraga a música lembrar de alguém que não mais está aqui? Tudo bem, talvez lembrar dela doa ainda e admitir que ainda dói dá uma angustia danada. A cobrança de superar o outro, de ser feliz é tão grande. Mas e dai? Não se cobre tanto. Quem está deixando estragar a música é você, porque sinceramente, uma música boa ligada a um afeto bom não tem como ser melhor. Não destorça uma lembrança boa só porque agora dói não ter a pessoa ou por algum rancor mal resolvido que você tenha com ela. Não esconda a dor debaixo do tapete, abrace ela, ela também precisa de carinho. Você é só uma pessoa e ter sentimentos bons por alguém não tem nada de errado, mesmo que ela só esteja no passado agora, mesmo que ela tenha te decepcionado. Todo mundo erra, perdoe-a. Liberte-se desse apego que te faz estar revoltado por querer tê-la, mas pensa que não deve ou não pode, ao invés disso ame e sinta a música, não perca a magia. Eu acho tão gostoso, é como se eu pudesse sentir ela ali comigo, e tão perto, como se a pessoa dançasse dentro de mim...
  Faz assim olha, feche os olhos, deixa o som alto no seu ouvido, comece a cantar junto com a música... De repente você vai se lembrar dela e vai se sentir culpado, diga: ah que que tem? E sinta tudo aquilo que está aparecendo ali na hora, eu duvido você conseguir parar de sorrir, às vezes até umas lágrimas de emoção começam a cantar pelas suas bochechas. É um sorriso que vem lá da alma que atrapalha até mesmo sua cantoria tão afinada e ritmada. Imagino as curvas de seus ombros, o contorno dos teus lábios, da tua risada de neném e rio no meio da música. Lembro dos seus olhos castanhos escuros de bola de gude destacados por cílios pretos e demarcados com suas sobrancelhas grossas. Tão lindo,  beirando a perfeição vinda dos meus olhares sob teu corpo e alma. Desenhando seu maxilar e seu queixo quadrado em um rosto oval, onde escorrega sua barba escura com falhas loiras que dão o toque de imperfeição mais gostoso que existe. Consigo reviver um mar de emoções que sentia misturado com uma nostalgia que é tão boa. Consigo enxergar que minha raiva não tem lugar ali, quero lembrar de você do jeito que você falou que gostaria de ser lembrado. De um jeito bom, de um jeito que me some, de um jeito que você ainda pulse aqui dentro. Lembro dos dias que cantava comigo, aquela saudade grudada a uma felicidade de ter vivido tudo aquilo com você. Sorte. Sinto-me a pessoa mais sortuda e viva do mundo. Talvez a música seja o mais perto que a gente chegue de uma máquina do tempo, quem sabe? Então, como qualquer máquina, você só tem o controle dela se aprender a usa-la com sabedoria, paciência e cuidado. E eu te garanto que se você quiser, ela pode ter muitas outras funções além das que aparecem no manual. - Luísa Monte Real

Distância


  "Distância: quantidade de espaço que existe entre dois pontos separados, medido por metros, quilômetros entre outras medidas." É, no dicionário até pode ser isso, mas para mim quando se trata de pessoas vai muito além. Não que o espaço não seja importante, afinal nada como a experiência de fato, a vivência, o contato e a presença física, olho a olho. Talvez em um tempo distante o espaço realmente contava muito, mesmo assim sempre fomos criadores de métodos que diminuíssem a separação de nossas relações afetuosas ou coisas, atividades. Tenho muitas pessoas perto, no peito, que nem mais na terra estão, quer dizer, pelo menos que eu não possa ver. Distância para mim pode ser aquele vizinho que vive tão perto, mas você nem tem ideia do nome dele. Distância é o que eu sinto quando estou com alguém e ela não é mais a mesma, não reconheço mais, seja de modo surpreendente ou decepcionante. Distância pode ser quando sinto falta dois minutos depois de ter terminado. Distância pode ser aquilo que queria que fosse eternamente meu, mas me escapa entre os dedos da mão. Distância é o que o tempo faz com as pessoas, com as histórias, com a rotina, com a dor e com a alegria. Distância é quando eu estou em um ligar chato com gente chata, mas estou falando pelo celular com alguém que amo, estou distante do mundo físico, mas perto do mundo espiritual, ou se achar banal e vazio, virtual, como preferir. Distância é mais do que medida, é sentimento. É o estar aqui e depois não estar mais. É a falta. É a possibilidade de estar perto, mas parecer longe. É a possibilidade de estar longe, mas parecer perto. Distância dá medo. É como estar em cima de um penhasco e embaixo só se ver a escuridão, não se vê o chão, e dá a impressão de que se cair, já era. Não importa o número de metros, é sempre essa a sensação. Angústia. Dor. Saudade. Não alcançar. Não tocar. Não ver. Desaparecer. Perder. Distância também pode ser aquilo que você quer de algo ou alguém que incomoda. Distância é suspirar aliviado. Libertação. Calma. Curativo. Distância pode ser um mero número ou um sentimento indefinido e paradoxal que depende de cada contexto. Distância é universal e particular. Distância é aquilo que eu menos quero de você. - Luísa Monte Real 

A hora das borboletas




    10h da manhã de Sol as borboletas saem para beijar as flores. Algumas são beijadas de volta, outras são rejeitadas, outras se beijam e as flores se juntam para dizer que é falta de flor. Outras voltam no dia seguinte e outra borboleta já está em seu lugar. Outras nunca nem acham uma para beijar, outras já cansaram daquele beijo mais ou menos de flores murchas. Outras estão esperando flores que parecem nunca desabrochar, outras são negadas por ter beijado mais de uma flor. Outras deveriam ser maiores, deveriam ser menores, mais coloridas, menos coloridas, prefiro as rosinhas, as marrons parecem mariposas, quem gosta de mariposas? Asas muito pontudas, asas muito redondas essa dança demais tem que ser mais discreta, essa dança de menos BLAHBLAHBLAH AAAAAHHHH CHEGA! Elas estão tontas, vão e voltam, giram e finalmente, caem. Tanta cobrança, não se encaixam e outras fingem se encaixar. Quebradas por dentro. Cansadas.
    O fato é que todo dia é dia de desilusão e decepção com flores que não chegam a metade das suas expectativas. Mesmo assim, todo dia as 10h elas dançam com suas asas coloridas levando um pouco de cor e beleza para o mundo. Beleza. Elas também cansam disso. As flores querem sempre as mais bonitas. E mesmo as mais bonitas são sempre substituídas por outras, porque sempre vai existir uma que a deixe menos perfeita. Descartáveis e reutilizáveis. Nunca boas o suficiente, mas sempre aceitáveis. Às vezes elas só queriam que as flores se desprendessem de suas raízes e fossem dançar com elas, dando ao mundo um novo sentido, mas elas não acompanham. E as borboletas cada vez mais dançam e menos beijam. E isso as faz um pouco desesperançosas e até solitárias naqueles dias mais frios em que o Sol resolve se esconder por detrás das nuvens. Aquele dia que não se diferencia as 10h da manhã do meio-dia.  E então ela resolve beijar uma flor novamente para ver se algo mudou. O cheiro? O mesmo. O beijo? O mesmo. A cor? A mesma. O desabrochar, cadê?! As cobranças? As mesmas. Quanto tempo mais esperar? E aí, ela já nem liga mais, ela nem insiste mais e prefere se juntar a uma causa maior e se unir por um mundo de mais amor às borboletas que tem tanto para dar mas que poucos sabem receber. E então elas resolvem receber tudo aquilo que passaram a vida toda tentando dar e nenhuma flor soube cuidar. Amor.  Respeito. E a liberdade, que apesar de sempre terem tido asas, nunca antes haviam se permitido a dar-lhes sua real função. Voar e o vento beijar. -Luísa Monte Real

Dormir e acordar no nada

 

    É que eles já não sabiam mais olhar o Pôr do Sol sem se avisar para olhar o céu, ou para ver como o céu estava com estrelas e a Lua linda. Ela já não sabia mais como era ter que deitar sem cair no sono escutando sua respiração ficando mais forte e devagar conforme ele ia se entregando para o travesseiro. Era uma coisa curiosa como a respiração dele não a causava incômodos, era tão particular e gostosa. Causava os mesmos efeitos que uma canção de ninar para ela, dava a certeza de que ele estava ali e tão perto... Ela já não sabia mais dormir sem achar graça das frescuras dele de conseguir dormir. Ela já não sabia mais o que era acordar e não ter que esperar algumas horas e ouvir ele se mexer todo sabendo que ele estava despertando. E ali, ela já abria um sorriso esperando ele gemer se espreguiçando e logo depois a chamando, sussurrando perguntando se estava acordada. E o tom de sua voz era de um sorriso estampado por acordar ao lado dela. Depois, perguntava se estava há muito tempo aguardando, e com um sorriso de brilhar os olhos, ela respondia sem jeito "mais ou menos". E ele perguntava se ela já tinha comido e por que não tinha ido comer ainda. E ela respondia: "estava esperando você". Ela não sabia mais o que era acordar, e um não se perguntar ao outro: "quem foi que dormiu primeiro?".
   Ele já não sabia mais como não fazer aquele ritual de ver séries com ela sempre querendo fazer a vontade dela pedindo para ela escolher qual seria a do dia, e depois ficar conversando com ela até a hora que sente que vai dormir e diz a ela que a ama com uma voz dengosa. Fica chamando ela mil vezes e com uma voz baixa, mimada e birrenta: "Eiii, eu gosto de você." Ela ri e fala que também gosta imitando a voz dele. E ele diz: "mas eu gosto de verdade". Ele já não sabia mais como não dormir sorrindo depois de ouvir a voz dela ecoando em sua mente que o amava e no silêncio calmo em que ela dormia como uma múmia, ele mergulhava achando sua paz. E ele, ao acordar, já não sabia mais como era acordar sem aquele motivo para sorrir. Ele sentia falta de como não só o mau humor não se fazia presente ao despertar com ela, mas em como acordava sorrindo apaixonado com paz e conforto no coração.
   E essa foi a parte mais difícil quando deixaram de ser um do outro. A hora de dormir e acordar. Era a hora em que sem  palavra alguma, olhar ou sentido consciente, eles se encontravam mais juntos em demonstrações de amor calado. Era a hora em que os corpos se desligavam totalmente e as almas se conectavam. Era a hora em que o amor recíproco dançava pelo ar e ninguém nem mesmo precisava se olhar para saber que o outro sorria e sentia aquilo. Um amor que trazia uma calmaria e uma alegria que só eles eram capazes de entender. Ela teve dificuldades em dormir e pesadelos por meses sem ele ali. Ele acordava chutando o armário diariamente sem ela ali. Com o tempo, foi passando. Mas toda noite e toda manhã era a mesma coisa. A falta. O vazio. O buraco. Ela costumava se distrair até que o sono a detonasse na cama e ela dormisse sem perceber. Porque se ela fechasse os olhos antes do sono a pegar... memórias, saudades, fantasias de estar com ele, choro... Sem ele. Ele ficava até de madrugada bebendo, transando, encontrava os parceiros para que chegasse morto em casa, capotasse na cama e acordasse atrasado para não ter tempo de ouvir o nada. Sem ela. O que era luz se tornava escuridão. O que era mágico e fantástico se tornava dor e náuseas. Não era saudade, era falta. Ela queria fazer um contrato de só poder dormir com ele, era só o que ela queria, mais nada, ela promete, era só para não ter pesadelos. Ele queria fazer um contrato de só poder acordar com ela, era só o que ele queria, mais nada, ele promete, era só para acordar sem mau humor. Eles só queriam seu canal de maior conexão de volta, não precisava do resto, sério mesmo. Mas no final, o que eles queriam mesmo é que o canal nunca tivesse se partido, e que o resto não fosse, na verdade, uma grande parte do nada que antes era preenchido. - Luísa Monte Real 

Música



Música é energia 
Música é poesia 
Música é brincar de nostalgia 
Música é viver, reviver
Inventar e reinventar 
Música é mistura de sensações e emoções.
Música é viajar dentro de si pelo som.
Cada dia me quero em um tom.
Música é calmaria que arde 
É dor em balde 
É corpo que sacode 
Arte que explode.
Música é lembrança gostosa 
É descoberta teimosa 
Repete, repete, repete... 
Música é alma escancarada 
Vergonha abafada 
Lesão curada. 
Música é amor
Uma dor
Uma pessoa 
Um sorriso 
Um pensamento 
Um sentimento 
Um esclarecimento 
Um sufoco 
Um alívio.
É um olhar pela janela chorando no metro 
Um ou dois dramas a mais.
É um show particular no banho 
É uma ou duas alegrias a mais.
A música - como todas as artes - 
É a passagem mais direta de encontrar-se,
Mostrar-se,
Expressar-se,
Conectar-se
Com nossa própria alma. 
E como amo esse meu lugarzinho. 
Aqui bem dentro de mim 
Onde a música vibra 
E faz eu me sentir mais viva. 
Lugar que é só meu
Que só eu sei.
Único.
Profundo. 
Que não se vê e só se sente,
Como as ondas sonoras. 
- Luísa Monte Real