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Quanta vida se perde tentando se fazer importante? 
Em uma vida de mar, toda areia já foi rocha 
Em uma vida de vento, toda chuva já levou
Trouxe, molhou 
Em uma vida de Sol, toda solidão queima, esquenta 
Em uma vida se vive, a morte reinicia 
O brilho que apaga, ofusca, cega, domina, fixa
Maltrata, mata, come 
O brilho que consome, rege, estraga
O brilho que me sufoca engolindo o outro
O brilho que rezo, prezo, preso 
Que amo para não amar, não renuncio 
Falo, falo, falo... brilho e morro 
Como toda estrela cai quando perde o seu 
Quanta vida se perde tentando se fazer brilhar? 

Sou retalho de palavras

Adoecer é isso, não saber viver. E não em um sentido moral, deveria ter feito ou não, isso é morar nas ideias, não é como se houvessem palavras que existiam e não foram colocadas, palavras só existem quando colocadas. Não. É justamente quando não permiti que a palavra se fizesse contorno, e nunca me livrando do pavor, o amo e guardo. Não houve vida que desse conta da morte e ela prevaleceu. 
Adoecer é isso, não soube o que fazer com a vida e tendo ela nas mãos atirei para o alto se espalhando, espelhando sem nem mesmo querer saber onde. No outro.
 Adoecer é isso, deixar o trauma que é viver dominar, deixar o mal da vida solto por toda parte, sem adestrar o cachorro agressivo, malvado, mandão, autoritário e cheio de si que vive em mim, sem dar a ele carinho, amor, cuidado, limites, não poupar, guiar, recompor e dar lugar.
 Adoecer é isso, perder as guias, as rédeas, me perder tentando me encontrar, porque o encontro não se tenta, se dá, e a perda não se encontra, se perde. Nesse momento é tudo tanto, transbordando, avassalador, que a falta falta, e não tem espaço para mais nada, “nenhum piu!”. 
Adoecer é isso, nada sobrar além de cinzas. E que talvez curar não seja se livrar delas, mas se fazer Fênix. Talvez agora os restos se (re)façam, costurem pontos, sou retalho de palavras. 

Dilema

      Assisti a série “Dilema” (não contém spoiler)  e já por esse nome diz muito. Pelos momentos que venho passando, li nela muito sobre a nossa relação com a verdade. Fala sobre os acasos da infância que nos moldam e que insistimos em guardar no fundo do baú, sem nunca deixar para trás. Fala sobre poder ser mesmo muito melhor viver uma mentira, uma ilusão, mas a destruição que vem por esconder uma verdade é um preço muito alto. Mas só por ela, pela dor, que a mentira pode ser superada e a verdade reinar. A fala final da personagem principal aponta bem para isso. 
      A vida real que não existe modelo, Freud já apontava, nem técnicas de psicologia, remédios, nem filmes, nem ideais que dêem conta. Quem dá conta de viver a vida infelizmente e felizmente somos nós. Ninguém vai viver por você, parece óbvio. E a gente se destrói mesmo, a dor vem, e a reconstrução é linda. Enxergar o pior e amar. E poder então, abrir mão dele para o novo.
      Venho descobrindo que amar não é amar um objeto, isso é paixão, pode até ser amor e é, mas amar é outra coisa, o substantivo é diferente do verbo, objeto e ação. Às vezes nos fixamos no objeto para não agir. Um objeto que é idealizado e por isso o amor é narcisista, porque amamos nossa própria ideia desse alguém. E com certeza amar não é descolado da paixão e do amor porque só eles podem nos mostrar nosso pior, amar é o que a gente escolhe fazer com a loucura de se apaixonar. Amar é amar apesar de não ter e porque não tem, e por isso mesmo o amor não tem objeto porque ele aparece para fazer do furo alguma coisa, a gente não ama alguém, alguma coisa, amar é um ato, uma escolha, uma construção, consequência  do desejo. É a nossa própria relação com a nossa verdade, nossos desejos e nossas destruições, e então o amor para colorir tudo isso que é avassalador. E vamos combinar, a gente se prende muito mais na intensidade do que na calmaria...
     Numa relação nunca estamos satisfeitos, ou batemos o pé por isso ou aprendemos a amar para (re)inventar o desejo, se frustrar novamente e tudo bem, aprender que o nosso querer é sempre pela metade, porque o outro também tem que ter alguma parte. 
    Disse muito isso esse ano, que a gente só pode amar depois de ver o pior. Ver o pior e não se vitimizar, a linha para a submissão e o masoquismo é bem tênue disso e compactua com o pior, velando. É sobre encarar, e desviar desse jogo. O amor é o limite da destruição. Já dizia Miley Cyrus rainha: 
Even in my darkest days, even in my lowest place, you love me the most 
and even when I can't stay, even when I run away 
You love me the most… 
Amar é a escolha que a gente faz de ficar quando descobre que o outro e nem o amor que a gente sente é tudo isso. Amar é quando falta muito e mesmo assim, e só por isso que é possível, a gente decide construir algo da falta com alguém. E amar é também saber ir quando não se pode ser amado, para que o pior não triunfe.

2019

   2019 foi o ano em que recebi os mais ricos e valiosos presentes. E por incrível que pareça os mais doloridos. Por que é que acordar para vida dói tanto? Eu descobri que ter um compromisso com a felicidade dói. A verdade dói, mas ela tem uma potência que quando nos encontramos com ela não importa a dor que carregue, não queremos nos livrar dela. Queremos encara-la, entendemos que precisamos parar de negar e para variar abraçar aquilo que nos é sagrado, íntimo. É isso que eu sou, com minhas tempestades e tempos sombrios, para que eu possa construir um Sol que traga o arco-íris. 
    A mentira por outro lado anda muito colada na verdade, nisso que trabalha para escondê-la. Algumas mentiras acabam por se tornarem tão importantes para nós que ditam nossa vida como se fossem verdadeiras. Ela cega, engana, poupa, ela até acolhe por um tempo, mas te deixa completamente desprotegida, ela te engole, te suga, é um trabalho dobrado: manter a verdade velada, calada e ainda enganar-se com ilusões insustentáveis, ilusões que não se deixam desiludir-se, e toda ilusão precisa ser quebrada para que uma nova apareça. A verdade também está lado a lado de uma mentira, ela pede uma construção, mas uma mentira que não seja mentirosa, nem tentadora e paralisante. Que seja uma mentira válida, que abra alas e caminhos para a verdade, que a sustente e não desmorone ou esconda. 
   A verdade é uma cicatriz que nos marca, que dita e diz de uma vez só sem rodeios, e muitas vezes sem dizeres, no silêncio. O amor há de vir como um banquete para a verdade e por isso temos tanto medo dele, fazemos qualquer coisa que nos livre de amar, porque se conectar e ter as rédeas de escrever a própria verdade, aquilo de mais íntimo que não sabemos falar, faz escorrer sangue dos olhos que tanto negam em ver. Édipo fura os olhos quando descobre sua verdade. Talvez assim ele enxergue melhor, talvez assim seja suportável ver. 2019 eu suportei ver e nisso que suporto, ganho minhas riquezas, minhas intensidades, minhas relações mais importante, ganho minhas palavras que são tudo o que eu tenho, à vida. 

As pessoas ainda fazem sexo?



   Eu não sei se as pessoas ainda fazem sexo hoje. Ainda que não exista relação sexual e me falta muito conhecimento e vivência, que não haja afeto ou afetação é de se questionar. O que estamos fazendo com nossos corpos? Um mundo cheio dos vibradores, o sexo parece virar uma extensão disso. O melhor de cama ganha, o mais experiente. E só nos resta a imagem de uma transa boa, em que sequer alguém existiu ali. E acaso tenha existido um sentimento, é chamado de “amor de xota”, “amor de pau” e é só porque foi a melhor transa. Amor? É o que nos falta. E não que se precise ser moral, que precise casar e que seja um controle, e nem mesmo de que toda experiência tenha de afetar, mas que nenhuma afete? Afinal, o sexo como necessidade e sem afetação sempre esteve posto para os homens, não por acaso, o estupro tão naturalizado. E para a mulher, o sexo sequer poderia fazer parte de sua natureza, mas me questiono o que ganhamos entrando na lógica masculina? 
Que o outro possa existir para nós, que haja sujeito. Não temos sujeitos. Coisas, nos tornamos coisas do prazer imediato. Sempre satisfazendo, sempre zerando, sempre morrendo. Essa sensação de morte que ronda tanto porque gozamos demais, mas não fazemos amor. 

Quem é que vem?


    




   Tá todo mundo partindo, tá todo mundo chegando. Tá todo mundo rindo, tá todo mundo chorando.Tá todo mundo sentindo, tá todo mundo amando. Tá todo mundo descobrindo, tá todo mundo odiando. Tá todo mundo quebrando corações, tá todo mundo juntando os pedaços. Tá todo mundo nem ligando quem é que vem, quem é que sai, quem é que volta. Tá todo mundo. Não é só você, é inclusive você. Não é só ela, é inclusive ela. Lá vem ela, quem é ela? Gabriela. Tá-tá-tá faz o novo barulho do relógio, já não se tem tempo pra tic-toc, acelera. Dor de cabeça, tudo girando. Sensação de querer cair, mas não ter onde. Procuro e não acho, não era aquele ditado que dizia... O que é que dizia mesmo? Esqueci. Só não me esqueci de quem quero esquecer. Que sufoco sufocado pela falta de sufocar. O barulho, a obra, o caos. Tá todo mundo no cais. Esperando o Sol nascer para ver o que é que traz. Se é que traz e não leva...


      Tá todo mundo, e talvez essa seja a condição da vida, se encontrar e depois desenrolar o nó em que certas vezes se arrebenta, e que tantas vezes nem existe, só na minha cabeça, bom nesse lugar existe, se for um lugar... Tá todo mundo sofrendo uma dor que não é só sua, que não é só minha, que também não é de todo mundo, nem é de ninguém. Então é de quem? Tá todo mundo com medo de ficar nua. Tá todo mundo vestido. Tá todo mundo se escondendo em palavras. Tá todo mundo mudo no grito da revolução. Tá todo mundo merecendo, todo mundo sendo vítima daquilo que não se responsabiliza. Tá todo mundo apontando, apertando o gatilho e surtando o surto de quem não fez. Quem é que não tá? Só quem já esteve e quem estará. Mas só não está, quem é que vem? 

       No fim, todo mundo está dormindo em um sonho que não se quer acordar. A realidade. Muros que levantam e não tem a pretensão de cair, mas sustentar. Tá todo mundo sorrindo um sorriso que não te pertence, e quem foi que disse que sorrir significa ser forte? Significa no máximo fingir, esconder, o bem estar é só de quem vê. Bem estar... Tá todo mundo sem falar. Esqueceram que o calar também diz. Rejeitar não é fácil, ser rejeitado menos ainda. Deixar ir, mudar, trocar, arrumar, deitar, viver. Sentir, roubar o beijo, cair no céu molhado da sua boca perdida na minha, nem sei quem foi. Quem é que vai? Quem é que vem? 

A desconfiança de confiar

    


    Confiança não existe sem o risco. Se você não arrisca, você desconfia. Você se preserva. E tudo bem, porque esse texto nem é de autoajuda. Desconfiança pode ser bom, e se for ruim, quem foi que disse que a vida é boa? Confiança é saber que pode quebrar a cara, mas confia que você reconstrói ou até mesmo acha outra. Confiança para mim não é essa coisa de vidro que todo mundo fala, caiu, quebrou até cola, mas fica a marca. Se ficou marca já não é mais confiança, nem nunca foi. Confiança para mim vem de dentro, vem de acreditar. Confiança é para quem tem peito de tentar, mas principalmente, de errar. Entendi que a confiança de que mais preciso só cabe numa relação minha comigo mesma e que o resto é consequência. Entendi que o descontrole é o melhor amigo da confiança, porque quem tanto controla, tanto desconfia, tanto sufoca, e perde o que não se pode ter, o outro. Confiar é o exercício de aceitar que eu sempre sinto que preciso que o mundo inteiro reconheça e goste de quem eu sou, mas saber que isso é o que todo mundo quer, que no final está todo mundo tentando, está todo mundo olhando para o próprio umbigo, inclusive eu. Talvez para variar tentar olhar para outros lados que não o meu deva ser confiar. 
    Confiar é aquela corda bamba entre penhascos em que você anda de olhos fechados, mas se dá conta que nela se encontram tantas outras pessoas que você resolve dar a mão. Permitir que em alguns momentos as mãos não estarão ali e que meu peito se esvazia sem elas, mas talvez isso seja para que eu possa voltar a preencher de uma nova forma. Criar. Reconstruir. Mudar. Talvez confiar seja o melhor amigo da coragem. Entender que a confiança que eu espero não está naquilo que alguém me dá, mas no que eu escolho fazer com cada passo da corda, com cada mão tocada e separada. Talvez a confiança mais difícil de se ter é aquela em que eu não vou me cobrar tanto. A gente pode até mentir pra gente mesmo falando que a culpa é do outro, mas no final quem mais a gente castiga somos nós mesmos. E se eu mesma quebrar minha confiança metendo o pé com tudo dentro do cimento molhado, hei de confiar que a água, o sabão e o esfregão limpam toda a sujeira, ou quem sabe um outro sapato. A confiança não está em fazer tudo sempre certo e acertar nas escolhas, nem mesmo em ser cego e acabar acreditando em coisas tolas. Acreditar que sempre saberemos a verdade é bobagem, é controle, aceitar que não se sabe talvez seja o mais próximo da verdade, e que ser enganado só faz errado o mentiroso que sabe que mente. Mas o pior mentiroso é aquele que mente a si mesmo, que somos todos nós. 
    A confiança está na liberdade de aceitar que fazer escolhas é difícil, mas é o que temos. Mas que, talvez quando você deitar no travesseiro, pode até haver as dores que são inevitáveis, mas há a paz de quem tentou e não deixou o sapato intoxicando e endurecendo com o cimento. Entender que a confiança é uma escolha sua, e que se você não tem, ninguém pode te dar. Sempre te falei isso... E se você não tiver, tudo bem, porque só fica aqui entre nós que confiança 100% já desconfio... Só escolha um passo a dar para encaixar o seu lugar, e desconfiar no seu sentimento de que confiar também tem a sua hora de chegar.

História pra contar




     É nos detalhes que a gente muda. É nos detalhes que desvenda o que parecia não estar ali. É nos detalhes que se desnaturaliza o banal. É no bordado, é na costura dos retalhos. É aonde não se vê. É naquilo que ignora e que pensa não valer a pena. É naquilo que se esquece, que se tropeça. São nas pequenas escolhas que escolhemos sem saber, ou que não olhamos como escolha, mas como destino, acaso, azar, sorte ou condenação. É naquilo que pensa ser imutável pela sua grandeza que não se sabe que é um pequeno movimento para desequilibrar e quebrar algo tão pesado. É o peso que escolhemos carregar acreditando que foi o outro quem nos deu a carga. É a carga que escolhemos carregar sem deixar em algum destino senão nossas próprias costas. É a culpa, é o fardo, é a cruz. É a guerra que insistimos em lutar com o outro quando nosso maior inimigo é aquele que te olha no espelho. É a guerra que a gente compra pra não vender, porque vencer significaria resolver, mudar e seguir em frente. E seguir em frente significa abrir mão de um sofrimento conhecido para o desconhecido. Abrir mão de uma história, de uma marca. É se descobrir, ficar nu, para que um outro véu possa ser costurado... Haja paciência. Haja força. Mas trocar o casco é sempre melhor. 

    Um verdadeiro escritor não é aquele que constrói histórias, mas aquele que destrói as palavras. Aquele que desinventa para surgir aquilo que é novo, aquilo que nunca foi dito ou até mesmo nem é possível de se dizer. É aquele em que julgamento não cabe, e assim muito menos sentidos. Somos contradição. Somos desespero por esperar. Despresentes por querer presentear. E desprevenidos por querer previnir. Somos falhos, mas só porque acertamos. Nós escolhemos todos os dias a história que queremos contar de nós mesmos, não só para os outros, mas qual a mentira que eu conto para eu mesma acreditar? - Luísa Monte Real